Neuroecologia Humana e Terapêutica Digital

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Qual é o impacto que a mudança de comportamento das pessoas pode ter no nosso bem-estar?

Mudar o comportamento das pessoas é difícil. É preciso algo mais do que dizer-lhes simplesmente como devem comportar-se. As pessoas há muito tempo que têm acesso a   informação sobre a importância da atividade física, interação social, sono, dieta, etc. para melhorar a sua saúde. E no entanto, as doenças crónicas provocadas por fatores comportamentais estão a crescer em todo o mundo, com enormes impactos negativos na saúde e na economia. Por exemplo, um estudo recente do Milken Institute estimou que nos Estados Unidos, sete doenças crónicas - cancro, diabetes, hipertensão, acidente vascular cerebral, doenças cardíacas, doenças pulmonares e doenças mentais - custam à economia 1,3 trilhões de dólares por ano, dos quais 1,1 trilhões se devem à perda de produtividade. Este é um problema que assume enormes proporções, quer em termos de custos humanos quer económicos, e a grande ironia é que, em muitos casos, até sabemos como resolvê-lo.    

Qual tem sido a principal estratégia para desenvolver novas intervenções terapêuticas? 

Em última análise, grande parte das ciências da vida recebe financiamento sob a pressuposto de que, se entendermos suficientemente bem os mecanismos biológicos, seremos capazes de intervir diretamente com medicamentos quando algo está  a funcionar mal. No entanto, os nossos corpos e cérebros são compostos de sistemas incrivelmente complexos e interdependentes, resultado de centenas de milhões de anos de evolução. As nossas experiências e atividades em ambientes ricos, associadas a uma catadupa de objetivos imediatos e de longo prazo, em suma - a ecologia humana - têm uma profunda influência sobre a nossa saúde e bem-estar. O sono, a dieta, a atividade física, as interações sociais e o stress representam alguns dos mais poderosos determinantes da saúde, bem-estar e longevidade. Esses fatores estão enraizados no comportamento, e intervenções de saúde de qualquer tipo seriam mais eficazes se combinadas com o reconhecimento do poder que o comportamento e o ambiente têm para moldar a nossa biologia. Portanto, o facto da medicina moderna não ter estado a investir mais em intervenções terapêuticas direcionadas, especificamente ao comportamento para promover a saúde e o bem-estar, representa um surpreendente fracasso.

Na sua opinião, qual é o principal desafio que nos impede de usar amplamente esta abordagem de mudança comportamental?                

Até agora, o problema central é que a mudança comportamental não pode ser administrada de maneira escalável e prescritível da mesma forma que acontece com um comprimido. Um médico não consegue prescrever uma mudança de comportamento. E, no entanto, empresas como o Facebook (agora Meta) alavancaram uma sofisticada aprendizagem automática, combinada com uma enorme escalabilidade de software, para moldar o comportamento das pessoas, com enorme sucesso. No caso do Facebook, o objetivo da mudança comportamental é maximizar uma métrica não relacionada com a saúde: o tempo que as pessoas passam a olhar para um site. 

Mas e se pudéssemos adotar a mesma abordagem de mudança comportamental, com recurso à  tecnologia e direcioná-la para maximizar os resultados na saúde? 

A tecnologia mais poderosa que temos para criar experiências atraentes, envolventes, imersivas e motivadoras, que provocam uma mudança comportamental eficaz, foi deixada para os fabricantes de videojogos e para as redes sociais. Está na hora de fazer melhor uso dessas abordagens criando um programa com o objetivo último de se tornar o líder mundial em Terapêutica Digital: intervenções comportamentais prescritíveis, com base em tecnologia. Tais abordagens permitem-nos moldar o funcionamento do cérebro e da fisiologia através da manipulação do ambiente e da forma como as pessoas interagem com este.            

O que seria necessário para atingir esse objetivo de colocar a Fundação Champalimaud na frente desta próxima revolução nos cuidados de saúde?

A nossa visão consiste na criação de um ecossistema onde investigadores, clínicos, engenheiros, criativos e empreendedores possam interagir para melhorar a saúde através do comportamento e da tecnologia, com um foco inicial nos distúrbios neurológicos e neuropsiquiátricos. Pretendemos criar um laboratório de transferência de conhecimento que seja colaborativo e que combine:

  • Salas imersivas para investigação, desenvolvimento e execução de ensaios clínicos para testar novas terapêuticas digitais;
  • Salas de tratamento igualmente equipadas para administração de terapêutica digital comprovada;
  • Infraestrutura computacional de alto desempenho e workshops para dispositivos de engenharia e novas abordagens em medicina digital;
  • Sala de aulas e espaço laboratorial para formação de uma nova geração de especialistas;
  • Espaço de incubadora para empresas spin-off, start-up e spin-in que queiram levar essas abordagens para o mercado;
  • Espaços de reuniões para realização de conferências e colaborações de longo prazo;
  • Restaurante para servir comida saudável e um ginásio, complementares às terapias imersivas digitais.

Estes recursos físicos exigirão um grupo diversificado de profissionais para maximizar a missão. Para que isto possa acontecer é fundamental:

  • Identificar, quer internamente, entre os membros da comunidade da Fundação Champalimaud), quer externamente, clínicos das  diversas áreas médicas que comecem  a introduzir intervenções comportamentais juntamente com as abordagens de tratamento existentes e ajudar a investigá-las e desenvolvê-las, como ferramentas terapêuticas;
  • Identificar Bioinformáticos, investigadores de IA, cientistas da computação e analistas de big data para combinar dados longitudinais e multimodais de doentes, recolhidos de wearables (Gadgets) que rastreiam o comportamento ao longo do tempo, imagens médicas, histórico de casos clínicos e dados moleculares de amostras de doentes para dar suporte ao longo do curso do tratamento, bem como para avaliar a sua eficácia;
  • Criar um programa de educação médica e científica em neurociência e comportamento humano, ministrado por professores especializados nas áreas relevantes;
  • Tirar partido do grupo de investigadores em neurociência fundamental, já existente na Fundação Champalimaud, para ajudar a promover a transferência do conhecimento fundamental para a sua aplicação prática e tecnológica. 

 

Um exemplo do que já está a acontecer

Immersive Lab, Unidade da Mama, Fundação Champalimaud

O Immersive Lab, um projeto inovador promovido por uma equipa de médicos da Unidade de Mama da Fundação Champalimaud, visa trazer, para as salas de operação, tecnologias imersivas. O objetivo do seu projeto principal é melhorar exponencialmente a capacidade dos cirurgiões de localizarem com precisão alvos cirúrgicos no corpo dos doentes, conduzindo a melhores resultados clínicos. A abordagem consiste na utilização de técnicas de IA para transformar dados de imagens médicas, de vários tipos (por exemplo, ressonâncias magnéticas, ecografias, etc.) num “fantasma” preciso de um alvo cirúrgico, fixo digitalmente, e em tempo real, ao corpo do doente. Na sala de operações, este "fantasma" é disponibilizado aos cirurgiões através do uso de realidade aumentada.

O Immesive Lab representa mais um exemplo, além da terapia digital, de como o ecossistema previsto no novo centro dará origem a soluções inovadoras para a saúde, por meio da combinação de tecnologia imersiva, neurociência comportamental, conhecimento clínico e IA.

Immersive Lab - Unidade de Mama - CCC

 

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