20 Novembro 2025
Acreditar para tornar real
20 Anos, 20 Histórias
— Liberdade de arriscar com Marta Moita
20 Novembro 2025
20 Anos, 20 Histórias
— Liberdade de arriscar com Marta Moita
Quando Marta Moita ouviu pela primeira vez rumores sobre um programa de neurociência a ganhar forma em Lisboa, a sua primeira reação foi de incredulidade. “Simplesmente não me parecia possível”, recorda. Era uma jovem investigadora principal (PI) que tinha regressado a Portugal depois de vários anos no estrangeiro, porque a neurociência comportamental (a sua paixão) simplesmente não existia cá. “Por isso, a perspetiva de não só ter um laboratório, mas de existir todo um programa dedicado a circuitos e neurociência comportamental em Lisboa, com pessoas que eu conhecia e admirava… era difícil de assimilar. Estaria isto mesmo a acontecer?”
Esse sentimento de admiração nunca a abandonou completamente. “Para mim, foi uma sorte e uma aventura inacreditável”, diz, lembrando os primórdios daquilo que se tornaria uma das comunidades científicas mais marcantes da Fundação Champalimaud (FC).
Inicialmente, o programa de neurociência ainda não estava formalizado, começou como uma ideia, uma conversa onde os investigadores imaginavam como poderia ser. “Foi aí que me envolvi pela primeira vez”, conta. “Depois cresceu, e tornei-me oficialmente PI em 2008.”
Olhando para trás, Marta descreve a sua maior contribuição de forma simples: “Acho que foi acreditar. Acreditar que íamos conseguir.” Sorri. “Éramos jovens, confiantes, e não nos importávamos muito com a forma como os outros faziam as coisas. Íamos fazê-lo da maneira que achávamos certa. E isso foi importante.”
Houve momentos de dúvida, quando a incerteza de construir algo novo se tornava avassaladora. “Houve alturas em que alguém queria desistir, mas ninguém deixava ninguém cair. Confiávamos uns nos outros, e mantivemo-nos unidos.” Marta sorri e diz que diria à sua versão mais jovem: “Vai correr bem.”
Esse espírito de confiança, propósito partilhado e otimismo teimoso tornou-se a base da comunidade de neurociência da FC. “Quando se começa algo grande, com muita responsabilidade e incerteza, tem de ser divertido. Tem de ser algo em que acreditamos, e tem de ser com um grupo de pessoas que confiam umas nas outras.”
Para além dos desafios coletivos, Marta enfrentou também um desafio pessoal: a pressão de ser cientista num mundo competitivo. “Às vezes sentia-me como um cavalo de corrida. Quando tens uma ERC [um prestigioso financiamento do Conselho Europeu para a Investigação] , um artigo na Nature ou algum tipo de coisa VIP, muita gente começa a tratar-te de forma diferente, e isso é muito dececionante.”, diz. “A certa altura percebi que já não queria estar nessa corrida. Precisava de definir as minhas próprias regras do jogo.” Essa perceção mudou tudo. “Lembro-me de dar uma palestra em que senti, pela primeira vez, que podia assumir totalmente a responsabilidade pelo que estava a dizer. Aquela palestra era eu.” Essa clareza continua a moldar a forma como Marta encara a ciência e a comunidade.
Quando questionada sobre o que torna a FC especial, não hesita. “Temos aqui uma situação muito privilegiada. Temos recursos e temos liberdade. E, juntas, estas duas coisas são inestimáveis.”
Por recursos, refere-se às plataformas científicas partilhadas que “expandem as possibilidades de um laboratório” e ao financiamento interno que permite aos investigadores “arriscar, explorar, experimentar". Mas, para Marta, o verdadeiro coração da FC está na forma como o conhecimento flui. “Toda a gente fala com toda a gente, não através dos PIs ou das hierarquias, mas diretamente. Especialmente antes da COVID, havia muita troca horizontal de conhecimento, eu valorizo muito isso.” Essa abertura, acredita, é essencial para o que a FC faz de melhor: estimular a criatividade através da colaboração.
E depois há o Teaching Lab, de que fala com um carinho especial. “Mudou a forma como fazemos ciência”, diz. “Dá poder aos estudantes e, através deles, aos laboratórios. Dá-nos liberdade para experimentar, para tentar coisas novas, para não ter medo. Isso é inestimável.”
Sobre aquilo que pretende alcançar a seguir, a resposta de Marta vai para além do seu próprio trabalho. “Hoje em dia, a tendência é procurar soluções, produtos e coisas impactantes direcionadas para necessidades concretas”, diz. “Mas se só procurarmos soluções, corremos o risco de perder muitas oportunidades de as encontrar. A própria descoberta, a curiosidade, está a ser desvalorizada e isso é perigoso.”
Para ela, a maior conquista na FC seria que todos “valorizassem a ciência baseada na curiosidade.” Tendo terminado recentemente o curso de Medicina enquanto liderava o seu laboratório, Marta ganhou um novo respeito pelo diálogo entre ciência e medicina. “Precisamos que as pessoas conversem, cientistas e médicos. Vêm de mundos completamente diferentes, mas essa comunicação é crucial.”
Sabe que não é fácil. “Toda a gente reconhece que precisamos da medicina, mas a ciência fundamental ainda precisa de ser constantemente defendida. Não podemos dá-la por garantida, temos de continuar a lutar por ela. E a FC é um lugar onde isso é possível. Deu-me a liberdade de estudar medicina enquanto era PI, algo que não seria possível em muitos outros sítios.” Acrescenta: “Seria incrível ver um programa de pós-doutoramento que ligasse médicos (MDs) e doutorados (PhDs)!”
Quanto questionada sobre as histórias que costuma contar, ri-se. “As festas dos retiros”, admite. Um pequeno detalhe, talvez, mas que diz muito sobre a alegria e a ligação que percorrem a história da FC.
Já o melhor conselho que alguma vez recebeu na FC, Marta faz uma pausa - “Não creio que tenham sido palavras que me iluminaram, mas sim as ações. Estávamos todos comprometidos, e isso foi mais inspirador do que qualquer discurso.”
A jornada que começou com incredulidade e ousadia juvenil cresceu e tornou-se uma comunidade vibrante, definida pela curiosidade e pela coragem. Marta espera que os próximos 20 anos tragam o mesmo espírito de liberdade, confiança e vontade de arriscar que moldou o início e que a FC continue a reinventar-se, mantendo-se fiel ao espírito que a tornou possível.
Marta Moita, Investigadora Principal, Behavioral Neuroscience Lab
Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui.