11 Dezembro 2025

Atravessar pontes: conectar pessoas e um propósito

20 Anos, 20 Histórias
— Construir uma comunidade com Joe Paton

Enquanto terminava uma conversa anterior com o Diretor Clínico da Fundação Champalimaud (FC), António Parreira, mencionei que haveria um artigo complementar com um dos seus colegas, Joe Paton, Diretor de Investigação em Neurociência na FC. A ideia era fazer, mais ou menos, as mesmas perguntas, para perceber até que ponto, depois de 20 anos, a visão para a cultura na clínica e na investigação se mantinha alinhada. Convidei António Parreira a abrir a entrevista com Joe com uma pergunta.

António Parreira fez uma pausa para refletir antes de escolher focar-se num dos maiores desafios humanos na construção de comunidade: criar condições para que pessoas de diferentes universos se sintam confortáveis a partilhar abertamente. A sua pergunta, “Como podemos tornar os médicos mais capazes de partilhar as suas preocupações e questões intelectuais com os investigadores?”, não aborda apenas logística, mas também confiança, conexão e propósito comum.

Para Joe Paton, a pergunta toca diretamente no centro daquilo que tem tentado construir: uma comunidade que liga pessoas e ideias para lá das fronteiras formais. 

“António Champalimaud disse que o seu objetivo era estabelecer uma fundação dedicada à investigação científica na área da medicina”, recorda Joe. “Mas desde o início, e por razões compreensíveis, a FC foi dividida em investigação e a clínica, como ramos separados. Se o objetivo é ligar ciência e medicina, essa divisão inicial torna tudo mais difícil, mas estamos a trabalhar para construir essa ponte.”

Quase duas décadas depois, o Champalimaud Research (CR) cresceu e tornou-se um ecossistema vibrante de laboratórios dedicados aos mecanismos neurais do comportamento. Mais recentemente, Joe e o neurologista John Krakauer lançaram o novo Centre for Restorative Neurotechnology, que junta neurociência, robótica e IA. “Estamos a pensar em como a tecnologia pode ajudar a compreender e restaurar funções”, explica. “É um momento entusiasmante, porque estas são questões que ligam a ciência e a medicina.”

Joe imagina uma instituição onde a clínica e a investigação estão totalmente alinhadas. “Atividades de investigação e clínicas unidas promovem a comunicação desde o início; separar estes ramos torna tudo mais difícil. Em vez de enxertar dois sistemas maduros, o ideal é que cresçam a partir da mesma raiz.” Os primeiros rebentos já estão a surgir. “Temos colaborado com a Unidade da Mama, por exemplo, em aspetos comportamentais da saúde no cancro, e o Digital Surgery Lab – que inclui um dos nossos ex-alunos de doutoramento – partilha espaço no Neurotechnology Warehouse.”

Comunicar o valor da investigação fundamental é igualmente essencial. “A descoberta movida pela curiosidade é a base da ciência aplicada”, afirma. “A levodopa, o principal tratamento para a doença de Parkinson, surgiu graças a estudos sobre a neurotransmissão química, e não como resultado de estudos diretos sobre esta doença. O trabalho movido pela curiosidade acaba por conduzir a aplicações práticas.”

Quando Joe chegou à FC há dezassete anos, a instituição estava numa fase inicial, e ele também. “Tinha 29 anos”, recorda. “O Zach Mainen recrutou-me depois de nos conhecermos no Cold Spring Harbor Laboratory. Pensei: porque não? Vou durante cinco anos, construo um programa e depois volto para os Estados Unidos.” Mas ficou. “Conheci a minha mulher aqui, os meus filhos nasceram aqui… e continuamos a construir a mesma instituição.”

O espírito fundador moldou a cultura. “O Zach, a Marta [Moita] e o Rui [Costa] foram muito intencionais em relação ao tipo de comunidade que queriam criar”, conta Joe. “Recrutámos pessoas que vinham de reconhecidas instituições, e que estavam dispostas a apostar num instituto ainda desconhecido.” 

As escolhas estruturais ajudaram a fomentar a colaboração. “Se um equipamento podia servir vários laboratórios, era centralizado. Essa infraestrutura partilhada  incentiva a partilha de ideias e recursos.” E, para além do laboratório, iniciativas como retiros, seminários internos e convívios das Happy Hours à sexta-feira criam ligações.

Para Joe, comunidade é algo participativo, não imposto. “Mostramos que a cultura não é estática; todos participam na sua construção”, diz, acrescentando  que “Nós [cientistas] sabemos que não podemos progredir sozinhos, a curiosidade e a inovação são esforços coletivos”. A criação de grupos coesos nos programas de doutoramento também ajuda os estudantes a formarem laços interdisciplinares desde o primeiro dia. “Quando a roda começa a girar, torna-se auto-sustentável.”

Joe recorda um momento que captou este espírito na perfeição: um simpósio do CR intitulado The Brain within the Body within the World. “Reuniu cientistas fundamentais e clínicos para explorar como o cérebro interage com o corpo e o ambiente. Representou exatamente esse espírito interdisciplinar.”

Questionado sobre os valores que guiam a FC, Joe destaca o respeito, a confiança na sabedoria do grupo e a força da diversidade. O financiamento base permite que as equipas privilegiem a qualidade em vez da quantidade, enquanto iniciativas que equilibram a vida pessoal e a profissional garantem que as pessoas prosperem, e não apenas produzam.

Olhando para o futuro, Joe imagina um ecossistema vibrante de cientistas, engenheiros, médicos e empreendedores, com descobertas que impactam os doentes. A tecnologia deve reforçar, não substituir a ligação humana: “Se ferramentas de IA puderem tratar da transcrição e síntese de dados, os médicos podem concentrar-se no contato humano. Trata-se de libertar tempo para fazerem o que é mais humano.”

Ao celebrar 20 anos, este trabalho diário de ligação mantém-se central. “A comunidade não é algo que se constrói uma vez”, diz Joe. “É algo que se constrói todos os dias.”

 

Joe Paton, Diretor de Investigação em Neurociência e Investigador Principal do Learning Lab, Champalimaud Foundation

Texto de John Lee, Content Developer da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud

Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui

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