27 Novembro 2025

Cartas para o futuro: entre a mente e a máquina

20 Anos, 20 Histórias
— Percursos Inesperados com Nuno Loureiro

Nuno Loureiro

Quando Nuno Loureiro tinha 22 anos, escreveu uma carta ao seu eu do futuro – um vislumbre de quem esperava vir a ser aos 35. Quão fiel seria o seu percurso, da engenharia aeroespacial à neurociência e à inteligência artificial (IA), face à trajetória que tinha imaginado?

Licenciado em engenharia física, Nuno especializou-se em aeroespacial no Instituto Superior Técnico de Lisboa e realizou o mestrado na atual Airbus Defence and Space, em Toulouse, o coração da indústria aeronáutica europeia. “Trabalhava num propulsor elétrico para satélites”, recorda. “O desafio era que as partículas carregadas podiam acumular-se na nave espacial e interferir com os componentes eletrónicos. O meu trabalho era melhorar os modelos que previam este comportamento – essencialmente, impedir que a nave se autodestruísse”.

Mais tarde, juntou-se à Agência Espacial Europeia como engenheiro estagiário, onde trabalhou na MarcoPolo-R, uma missão que se propunha a trazer uma amostra de asteróide de volta à Terra. “Estávamos a projetar a perna de um módulo de aterragem que faria o primeiro contacto com a superfície do asteróide – algo bastante diferente da biologia”.

Uma Mudança de Órbita

As coisas tomaram um rumo inesperado numa viagem aos EUA em 2012, durante a qual Nuno explorava programas de doutoramento em ciências aeroespaciais. “Deparei-me com um artigo que mencionava o trabalho de Rui Costa em interfaces cérebro-máquina (ICMs) – que permitem que o cérebro comunique diretamente com dispositivos externos – e vi que estava a montar um novo laboratório na Fundação Champalimaud (FC)”.

Na universidade, havia considerado a engenharia biomédica e sempre se sentiu atraído pela ideia de utilizar a tecnologia para restaurar funções perdidas. Sempre foi bom aluno e, como o próprio diz, “em Portugal, isso significava muitas vezes que a expectativa seja de que escolhas estudar medicina, por isso nunca deixei a ideia da biomedicina completamente de parte”.

Os dias de entrevista para o programa de doutoramento em neurociência da FC foram intensos, mas divertidos. “Houve até uma noite de discoteca. Cada um de nós teve de fazer uma apresentação de um slide para se apresentar, o que tornou a experiência mais pessoal do que noutros lugares. Lembro-me de pensar: este lugar é diferente”.

Onde as Mentes Voam

Para este piloto licenciado, com um fascínio pelo voo, o seu trabalho de doutoramento na FC, sob a orientação de Rui Costa, foi um fechar de ciclo. O seu doutoramento focou-se em ensinar pessoas a controlar máquinas apenas com o pensamento. “Queríamos ver se as pessoas poderiam aprender a pilotar drones ou simuladores de voo utilizando interfaces cérebro-máquina (ICM) baseadas em eletroencefalografia (EEG), uma forma não invasiva de medição da atividade cerebral através de elétrodos aplicados no couro cabeludo”. A sua abordagem baseava-se no feedback: os utilizadores aprendiam gradualmente, através de tentativa e erro, a modular os seus pensamentos para guiar o voo.

Colaborações com José del R. Millán, da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, e com investigadores da Universidade Técnica de Munique ajudaram a avançar na descodificação de sinais neurais e a testar o controlo por ICM num simulador de voo. O grupo de Nuno conseguiu financiamento do Conselho Europeu de Investigação, construiu hardware personalizado e registou duas patentes – as primeiras do Champalimaud Research. Deste trabalho surgiu a MindReach, uma startup co-fundada por Nuno para levar a tecnologia ICM do laboratório para os mundos real e virtual.

Estes anos também trouxeram alguns percalços. Antes de fazer a primeira demonstração pública mundial de um drone pilotado puramente por atividade cerebral, Nuno treinou durante semanas no laboratório usando um capacete de EEG que media pequenas variações de voltagem e as traduzia em comandos de voo. “Um dia, fomos a um aeródromo a norte de Lisboa para testar na prática. Estava vento, a ligação não era boa e o drone quase bateu no nosso carro – passou a cerca de 30 centímetros. Podia ter sido um voo de teste bastante caro!”.

O seu tempo na FC também não foi isento de percalços. Co-organizou e apresentou vários eventos Ar  – eventos públicos de comunicação de ciência – sobre temas como a investigação da felicidade, a resistência humana e a ciência do paladar, sendo que para este último contribuiu para a produção de uma curta-metragem onde um chef protagonizado pelo Guia Michelin e um neurocientista da FC trocaram de papéis por um dia. “Era difícil dizer não”, admite Nuno. “Havia tanta coisa a acontecer, estava constantemente rodeado de pessoas que desafiavam as minhas ideias e me incentivavam a pensar a fundo. Sinto falta dessas interações”.

A mentoria foi outro pilar fundamental. “Vítor Paixão, um pós-doutorando no laboratório do Rui, deu-me perspetiva e orientação. E, claro, o próprio Rui – tecnicamente brilhante, mas também profundamente humano. Conseguia ver tanto os detalhes mais pequenos como o panorama geral”.

Caro Eu…

Após concluir o seu doutoramento, Nuno tornou-se Head of Data Science & Development na +ATLANTIC, um laboratório colaborativo que aplica a ciência de dados e a IA para enfrentar os desafios ambientais e oceânicos. “Um dia estava a visitar explorações piscícolas, testando câmaras e sensores para detetar peixes mortos – no dia seguinte, analisava dados de satélite para sistemas de monitorização oceânica”, conta. “Estava a aplicar o que tinha aprendido sobre sistemas e dados em neurociência a um domínio muito diferente”.

Qual o fio condutor em comum entre todas estas mudanças de carreira? “A resolução de problemas”, responde. “Seja na física espacial ou na neurociência, o desafio é o mesmo: compreender sistemas complexos”.

De certa forma, o caminho de Nuno já estava traçado anos antes – literalmente. “Quando tinha 22 anos, em Toulouse, escrevi uma carta ao meu eu do futuro sobre como esperava que fosse a minha vida aos 35”, conta. “Escrevi sobre robótica, ajudar pessoas em cadeiras de rodas a levantarem-se e a olharem os outros nos olhos, talvez até me tornar médico. Mesmo nessa altura, havia esta tensão entre a física e a biologia – entre explorar o espaço exterior e o espaço interior”.

Esta tensão manifesta-se desde então, numa carreira dedicada a transitar entre estes dois mundos, procurando formas de os ligar.

Hoje, Nuno trabalha como developer e consultor de machine learning na Rancho BioSciences, uma empresa internacional que desenvolve ferramentas de bioinformática e IA para as ciências da vida. “Um dos meus principais projetos é desenvolver ferramentas para ajudar os patologistas de uma empresa farmacêutica a digitalizar e analisar imagens de microscopia de forma mais eficiente. Trata-se de aproveitar melhor as enormes bases de dados de imagens que já possuem”. Antes trabalhava com o que se via através de um telescópio – agora com o que se vê através de um microscópio”.

O seu trabalho atual reflete a direção que Nuno prevê para a Fundação Champalimaud. “A Fundação Champalimaud tem pessoas e instalações extraordinárias”, afirma. “O desafio agora é acompanhar as novas tecnologias – sobretudo a integração da inteligência artificial na medicina e na ciência. Isso vai definir os próximos 20 anos”.
 

Nuno Loureiro, Antigo Aluno de Doutoramento em Neurociências na Fundação Champalimaud, Atualmente Data Engineer and Data Science Consultant na Rancho BioSciences
 

Texto de Hedi Young, Science Writer & Content Developer da Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud
 

Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui

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