24 Agosto 2022

Cientistas da Fundação Champalimaud descobriram como as células do mieloma múltiplo perturbam o sistema imunitário

O mieloma múltiplo, um cancro da medula óssea, semeia o caos nas defesas imunitárias do doente. Mas como é que as células do mieloma múltiplo conseguem fazê-lo? Uma equipa de cientistas da Fundação Champalimaud começou agora a desvendar os mecanismos da disrupção imunitária num modelo do mieloma múltiplo no ratinho – um resultado com potenciais aplicações terapêuticas.

Cientistas da Fundação Champalimaud descobriram como as células do mieloma múltiplo perturbam o sistema imunitário

Uma das principais características do mieloma múltiplo (MM), um cancro da medula óssea e um dos cancros hematológicos (do sangue) mais frequentes a nível mundial, é a disrupção do sistema imunitário do doente, que permite que o cancro progrida. Agora, um estudo realizado por Cristina João, que dirige o Grupo de Investigação do Mieloma e do Linfoma do Centro Champalimaud, e os seus colegas, mostra como as chamadas vesículas extracelulares (VE) libertadas pelas células do mieloma múltiplo conseguem impulsionar essa disrupção. Os seus resultados foram publicados a 7 de Julho 2022 na revista Frontiers in Immunology e poderão ter importantes implicações em termos terapêuticos.

As VE são pequenos “saquinhos” que circulam no nosso sangue e que são naturalmente libertadas por quase todos os tipos de células. Estão recheadas de proteínas, material genético, metabolitos e até componentes da estrutura da célula de onde vieram, e constituem uma forma de comunicação entre as células. 

As VE têm adquirido uma importância crescente devido ao seu papel-chave tanto nos processos fisiológicos como patológicos, entre os quais o cancro. Por exemplo, foi recentemente demonstrado que as VE estão envolvidas nos processos metastáticos dos tumores malignos sólidos e dos cancros hematológicos, incluindo o MM.

Vesículas extracelulares connection

Os autores do novo estudo quiseram determinar se seriam as VE provenientes das células do mieloma múltiplo que estariam a impulsionar a disrupção imunitária. A resposta foi claramente afirmativa. “Os nossos resultados mostram que, de facto, as VE derivadas do MM são capazes de reprogramar o destino e o comportamento das células imunitárias que recebem essas VE na medula óssea”, diz Cristina João. 

Para o demonstrar, os cientistas utilizaram um modelo do mieloma múltiplo no ratinho. “Descobrimos alterações substanciais, entre os ratinhos sem MM e os ratinhos com MM, ao nível da frequência e do subtipo de várias populações de células imunitárias, tais como os linfócitos T e os linfócitos T ‘assassinos’ [ou citotóxicos – natural killer cells ou NK em inglês]”, salienta Cristina João.   

E acrescenta: “Mostrámos que as VE derivadas das células do MM promovem a imunossupressão ao modular o fenótipo [as características observáveis] e também a função dos linfocitos T e de outras células imunes como as natural killers ”. Mais especificamente, as VE derivadas das células do MM provocam um aumento da expressão, à superfície das células T, de proteínas como a PD-1 e a CTLA-4, chamadas checkpoints imunitários porque controlam a resposta imunitária impedindo que os linfócitos T se activem e matem as células cancerosas.

Ao mesmo tempo, as VE derivadas das células do MM provocam uma diminuição de uma outra proteína, a CD27, que funciona como um receptor, à superfície dos linfócitos T, promovendo a necrose tumoral. Tudo isto é uma fórmula para a tempestade perfeita, porque facilita a fuga ao sistema imunitário e a progressão do mieloma múltiplo. 

Potencial terapêutico

Estes resultados poderão vir a ter importantes implicações terapêuticas. O facto de se saber que as VE libertadas pelas células do MM são capazes de reprogramar o destino e o comportamento das células imunitárias que as recebem sugere que as VE poderão ser utilizadas como alvos terapêuticos no tratamento do MM.

“A determinação das alterações das células imunitárias (especificamente, as alterações que ocorrem em cada célula) abrem o caminho para o desenvolvimento de imunoterapias adequadas e precisas contra o mieloma múltiplo”, diz Cristina João. As imunoterapias permitem activar ou suprimir o sistema imunitário.

Mais precisamente, “a utilização de terapias para manipular a produção de VE pelas células do MM e o conteúdo proteico das VE derivadas das células do MM deverá estimular o desenvolvimento de estudos clínicos inovadores”, explica a cientista. “Além disso, os resultados do nosso estudo permitir-nos-ão desenvolver as experiências que se seguem para testar novas combinações de imunoterapias específicas contra o MM. Essas experiências já estão em curso.” 

Mieloma Múltiplo Disrupção Imunitária
Imagem: o Microambiente Imunológico no Mieloma Múltiplo (MM) - diferentes estadios deste cancro (MM) e interações imunes entre células MM e células imunes. A pesquisa desenvolvida visa reconhecer e manipular terapeuticamente as células do microambiente imunológico para combater as células do mieloma.
Artigo Original

Multiple Myeloma-Derived Extracellular Vesicles Modulate the Bone Marrow Immune Microenvironment

Por Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.
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