04 Novembro 2020

Como o cérebro prevê as consequências das nossas escolhas

Aprender a prever os resultados de uma ação acontece através de dois processos cognitivos distintos. No entanto, para uma dada instância, é frequentemente difícil dizer qual dos dois processos é que um indivíduo está a executar. Agora, num estudo realizado em ratinhos e com recurso a uma nova abordagem experimental foi possível destrinçar os dois processos e identificar uma estrutura cerebral específica onde as várias características envolvidas no processo de tomada de decisão se encontram representadas.

Como o cérebro prevê as consequências das nossas escolhas

Prever os resultados das ações para tomar boas decisões é uma função crítica do cérebro. Acredita-se que este processo funcione através de dois mecanismos fundamentalmente diferentes, chamados de aprendizagem “sem modelos” e aprendizagem “baseada em modelos”. Embora a neurobiologia da aprendizagem baseada em modelos seja fundamental para o comportamento flexível e adaptativo, o conhecimento que temos sobre ela é ainda reduzido.

Agora, num estudo publicado na revista científica Neuron, cientistas identificaram uma área do cérebro crucial para este tipo de aprendizagem e demonstraram como a sua atividade codifica vários aspectos do processo de tomada de decisão.

Destrinçar processos cognitivos 

“A aprendizagem livre de modelos e a aprendizagem baseada em modelos são distintas, mas complementares”, afirma Thomas Akam, autor principal, investigador da Universidade de Oxford, que trabalhou neste estudo em conjunto com Rui Costa, investigador do Centro Champalimaud, agora Diretor e CEO do Instituto Zuckerman da Universidade de Columbia em Nova Iorque, e Peter Dayan, Diretor do Instituto Max Planck de Cibernética Biológica, em Tübingen. 

Enquanto a abordagem baseada em modelos depende da compreensão da estrutura subjacente do problema e da criação de um plano, por exemplo, descobrir a melhor rota para chegar a um novo restaurante, a abordagem livre de modelos permite, em situações familiares, uma ação rápida, com menos esforço mental.

“A abordagem sem modelos consiste simplesmente em optar por ações que deram no passado um bom resultado. Voltando ao exemplo, após várias idas ao restaurante, fazer essa viagem torna-se algo totalmente habitual, libertando a mente para se focar noutras coisas”, acrescenta Rui Costa.

Segundo os autores, mesmo sem nos apercebermos, estamos permanentemente a alternar entre estes dois modos de agir. Por exemplo, se na rota habitual para o restaurante nos deparamos com uma estrada fechada, rapidamente fazemos a transição para a abordagem baseada em modelos por forma a encontrar uma alternativa.

“Uma vez que as duas abordagens operam geralmente em paralelo, isto tem representado um desafio para o estudo da base neural da tomada de decisão baseada em modelos”, diz Thomas Akam.

Un quebra-cabeças feito à medida 

Para isolar a contribuição dos dois processos cognitivos, os investigadores desenvolveram uma nova tarefa experimental.

 

Legenda:

1. Escolha entre a porta de cima e a porta de baixo
2. A escolha resulta no aparecimento de uma luz à direita ou à esquerda da porta
3. Ao tocar no lado onde a luz aparece implica possível recompensa (água)

 

“Para podermos estudar estes mecanismos cerebrais em ratinhos, adaptamos uma tarefa que foi originalmente desenvolvida para humanos.”, diz Thomas Akam.

Os ratinhos iniciam um teste enfiando o nariz numa das duas portas centrais, localizadas uma acima da outra. De seguida acende-se uma das duas portas laterais onde os ratos podem recolher uma recompensa de água (uma localizada à esquerda e outra à direita das portas centrais).

Para desempenhar bem a tarefa, os ratinhos têm que descobrir duas variáveis-chave. A primeira é qual a porta lateral com maior probabilidade de oferecer uma recompensa. E a segunda é qual das portas centrais ativa a porta lateral mais recompensadora. Assim que os ratinhos aprendem a tarefa, passam a optar pela sequência de ações que oferece o melhor resultado.

Embora esta tarefa possa parecer artificial, Thomas Akam destaca que esta concentra certas características importantes da tomada de decisão no mundo real. “Assim como na vida real, o sujeito precisa realizar longas sequências de ações, com consequências incertas, para obter os resultados desejados”, explica.

De vez em quando, e para promover estratégias de aprendizagem flexíveis, uma de duas mudanças acontecia – “Uma manipulação foi mudar o mapeamento entre as portas central e lateral. A outra foi mudar qual das portas laterais tinha maior probabilidade de recompensa”, explica Thomas Akam.

De que forma foi esta abordagem experimental útil para destrinçar os diferentes processos cognitivos? “Em princípio, a tarefa tanto pode ser resolvida por aprendizagem livre de modelo, como baseada em modelo; Os ratinhos podiam simplesmente aprender a previsão sem modelo ‘o topo é bom’, ou podiam aprender um modelo da tarefa ‘o topo leva para a esquerda, esquerda para recompensar”, diz Thomas Akam. “No entanto, estas diferentes estratégias levariam a diferentes padrões de escolha. Ao observar o comportamento dos sujeitos, fomos capazes de avaliar a contribuição de cada uma das abordagens.”

Quando a equipa analisou os resultados – cerca de 230.000 decisões individuais – descobriram que os ratinhos estavam a usar as duas abordagens em paralelo. “Isto permitiu-nos validar que a tarefa era adequada para estudar as bases neurais destes mecanismos”, diz Rui Costa. “De seguida, passamos para a próxima etapa – investigar a base neural deste comportamento.”

Um mapa neural de aprendizagem baseada em modelos 

A equipa concentrou-se numa região do cérebro chamada córtex cingulado anterior (do inglês ACC). “Estudos anteriores estabeleceram que o ACC está envolvido na seleção de ações e forneceram algumas evidências de que este poderia estar implicado em previsões baseadas em modelos”, explica Rui Costa. “Mas ninguém tinha verificado a atividade de neurónios ACC individuais numa tarefa desenhada para distinguir entre estes diferentes tipos de aprendizagem.”

Notavelmente, os investigadores descobriram que a atividade dos neurónios criou um mapa que representa vários aspectos do comportamento dos ratinhos. “Ao observar o padrão de atividade da população, pudemos descodificar com muita precisão onde o indivíduo estava no ensaio. Por exemplo, se estava para escolher a porta inferior, ou se estava a passar da porta superior para a direita, ou a receber uma recompensa pela esquerda”, conta Thomas Akam.

Além de representar a localização atual do animal na tarefa, a atividade dos neurónios ACC também codificam qual o estado que provavelmente virá a seguir. “Estes resultados fornecem evidências diretas de que o ACC está envolvido em fazer previsões baseadas em modelos das consequências específicas das ações, não apenas se estas são boas ou más”, diz Rui Costa.

A atividade dos neurónios ACC representa também se o resultado das ações é o esperado ou se é algo surpreendente, potencialmente fornecendo um mecanismo para atualizar as previsões quando estas se revelam estar erradas.

Finalmente, para testar se o ACC é necessário para a tomada de decisão baseada em modelos, a equipa silenciou a atividade dos neurónios do ACC em testes individuais enquanto os animais decidiam qual a opção escolher. Como resultado, “os ratinhos não conseguiram atualizar corretamente a sua estratégia, sugerindo que ao silenciar o ACC os animais deixam de conseguir realizar previsões baseadas em modelos. Consistente com esta interpretação, o silenciamento do ACC teve um efeito mais forte nos indivíduos que confiaram mais numa estratégia baseada em modelos”, explica Akam.

“Esses resultados foram realmente emocionantes”, recorda Rui Costa. “Estes dados identificam o córtex cingulado anterior como uma região cerebral chave na tomada de decisão baseada em modelos, mais especificamente na previsão do que acontecerá no mundo se escolhermos fazer uma ação específica em vez de outra.”

Próximos passos

Segundo os autores, um dos grandes desafios na neurociência contemporânea é entender como o cérebro controla comportamentos complexos, como planeamos e fazemos tomadas de decisão de forma sequencial. “O nosso estudo é um dos primeiros a demonstrar que é possível estudar estes aspectos da tomada de decisão em ratinhos”, diz Thomas Akam.

 

Por Liad Hollender, editora e escritora de ciência da Equipa de Comunicação, Outreach & Eventos do Centro Champalimaud. Traduzido por Catarina Ramos, co-coordenadora da Equipa de Comunicação, Outreach & Eventos do Centro Champalimaud.

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