05 Setembro 2023

Conselho Europeu de Investigação atribui três ERC Starting Grants para Ciências da Vida em Portugal

O Conselho Europeu de Investigação (European Research Council - ERC) revelou os resultados das candidaturas às ERC Starting Grants 2023 hoje, 5 de setembro. De Portugal foram escolhidos três projetos inovadores no domínio das Ciências da Vida, garantindo um financiamento total superior a 5 milhões de euros.

European Research Council awards three  ERC Starting Grants to Life Sciences in Portugal

Os premiados de Portugal são Giulia Ghedini e Ilana Gabanyi do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e Carlos Minutti da Fundação Champalimaud. Os investigadores principais receberão entre 1,5 e 1,9 milhões de euros cada para desenvolverem as suas propostas de investigação ao longo dos próximos cinco anos.

Para 2023, o ERC reservou um orçamento de 628 milhões de euros para apoiar mais de 400 Starting Grants abrangendo vários campos de investigação, incluindo as ciências da vida, atraindo mais de 2.500 candidaturas. Na área das Ciências da Vida, foram financiadas 110 propostas das 735 propostas apresentadas.

As ERC Starting Grants visam capacitar Investigadores Principais de destaque que estão a iniciar a criação das suas equipas ou programas de investigação independentes. Para ser considerado competitivo para a Starting Grant, um Investigador Principal deve não apenas apresentar uma proposta científica inovadora, ambiciosa e viável, mas também demonstrar autonomia e maturidade científica (por exemplo, ser autor de uma publicação relevante, seja enquanto autor principal ou sem o envolvimento do seu mentor de doutoramento).

Carlos Minutti, Fundação Champalimaud 

Células Dendríticas Convencionais – Ecologia, Diversidade e Função

A indução da resposta imune adaptativa e sua subsequente memória imunológica depende criticamente das capacidades de deteção das células dendríticas convencionais (cDCs). Estas células monitorizam vigilantemente os nossos tecidos em busca de anomalias como infeções ou cancro. Curiosamente, os cDCs podem desencadear diversas reações imunitárias adaptativas, algumas das quais podem não ser benéficas, especialmente no contexto de muitos tipos de cancro.

A investigação mais recente de Carlos Minutti demonstrou que a medula óssea gera vários tipos de cDC, uma revelação inesperada que abre caminho para inúmeras investigações convincentes. “Este financiamento do ERC permitir-nos-á explorar como os tecidos sob ataque (devido a infeção ou cancro) comunicam com a medula óssea, provavelmente através do sangue ou do sistema nervoso, para modular a produção destes diferentes tipos de cDC e, em última análise, regular o destino da resposta imune adaptativa”, explica Carlos Minutti. “Desenvolveremos uma série de ferramentas de ponta para investigar esta lacuna na nossa compreensão dos mecanismos que moldam os estágios iniciais da resposta imune adaptativa nos organismos vivos”.

A ERC Starting Grant permitirá a Minutti testar a hipótese de que tipos distintos de cDC instigam diferentes tipos de imunidade adaptativa, algumas sendo protetoras e outras potencialmente prejudiciais. “Este projeto permitir-nos-á empregar tecnologias de ponta, oferecendo insights mecanicistas e conceptuais ​​sobre como os órgãos intercomunicam entre si durante momentos críticos para restaurar a homeostase e a saúde”, conclui Minutti.

Biografia: Carlos Minutti formou-se em Biologia na Universidad de las Americas Puebla, México. Mais tarde, doutorou-se em Bioquímica, Biologia Molecular e Biomedicina pela Universidade Complutense de Madrid, Espanha. Seguiram-se períodos de pós-doutoramento no Reino Unido na Universidade de Edimburgo e no Francis Crick Institute em Londres. Mais recentemente, juntou-se à Fundação Champalimaud, liderando um grupo dedicado ao estudo da origem e função dos cDCs. Ao longo da sua jornada de investigação, Minutti fez contribuições importantes para a nossa compreensão de como a função e a identidade das células mielóides são ajustadas por sinais locais nos tecidos onde essas células habitam.


Giulia Ghedini, Instituto Gulbenkian de Ciência

Mapear respostas metabólicas para entender a coexistência e o funcionamento da comunidade - META_FUN

Embora a investigação já tenha revelado que o metabolismo dos organismos afeta a produtividade das populações e comunidades, a relação entre o metabolismo dos organismos e as interações entre as espécies ainda não foi muito explorada. Assim, prever as taxas a que comunidades inteiras fluem energia e recursos continua a ser difícil. 

O trabalho de investigação de Giulia tem mostrado que o metabolismo dos organismos medido isoladamente não reflete o seu desempenho nas comunidades porque as interações das espécies alteram a forma como os organismos absorvem e gastam recursos. Compreender como estas interações afetam o metabolismo é essencial para estimar a produtividade e como esta irá mudar com a perda de biodiversidade e o aquecimento global. O projeto de Giulia, que agora obteve financiamento da ERC Starting Grant, propõe a utilização do fitoplâncton marinho, como um modelo laboratorial, para determinar como as respostas metabólicas afetam a coexistência e o funcionamento da comunidade. O objetivo é ligar a teoria metabólica, que estuda as restrições físicas no metabolismo dos organismos isoladamente, com a ecologia comunitária, que se centra nas interações das espécies e nas propriedades emergentes da comunidade. 
 
Com base nos dados preliminares que Giulia obteve, o atual projeto pretende mapear as respostas metabólicas entre espécies que competem por recursos semelhantes e testar se essas respostas estabilizam a coexistência. O projeto permitirá, à equipa liderada por Giulia, aproveitar os desenvolvimentos em transcriptómica de organismos não-modelo para identificar as vias metabólicas que sustentam as respostas metabólicas. A partir desta base, o projeto irá alargar a análise a escalas temporais e biológicas mais amplas, determinar como o aquecimento modifica as respostas metabólicas e a produtividade da comunidade, e como o metabolismo evolui nas comunidades. No seu conjunto, este projeto pretende demonstrar como os ajustes metabólicos influenciam a diversidade e o funcionamento das comunidades. Os resultados terão amplas implicações para a compreensão dos sistemas biológicos porque o impacto metabólico das interações entre espécies molda a fisiologia e a evolução de todos os organismos.

Giulia está “muito entusiasmada por receber esta bolsa. Abre perspetivas para novas investigações e colaborações que não seriam possíveis de outra forma.” A premiada refere ainda que está “particularmente empolgada por poder realizar o projeto dos meus sonhos, ansiosa pelos anos de investigação que se avizinham e pela oportunidade de poder reunir uma equipa fantástica para realizá-lo!”
 
Biografia: Giulia Ghedini concluiu o doutoramento em ecologia marinha na Universidade de Adelaide (Austrália) em 2016. Depois mudou-se para a Monash University para fazer o pós-doutoramento com o Prof. Dustin Marshall, onde recebeu uma bolsa do Australian Research Council em 2019. Giulia chegou ao Instituto Gulbenkian de Ciência em 2021 para liderar o grupo de Ecologia Funcional com o apoio de uma bolsa da Fundação la Caixa.


Ilana Gabanyi, Instituto Gulbenkian de Ciência

Mecanismos de transporte e fatores fisiológicos que medeiam a interação direta entre microbiota intestinal e neurónios cerebrais – MicrobiotaNeuroTalk 

O eixo intestino-cérebro emergiu como um regulador complexo da fisiologia de todo o sistema, desempenhando papéis essenciais na manutenção da homeostase, incluindo contribuições para o desenvolvimento e atividade cerebral, afetando o metabolismo e o comportamento do hospedeiro. A composição bacteriana intestinal flutua constantemente, permitindo a libertação regular de diversos compostos derivados de micróbios na corrente sanguínea. Embora se saiba que muitos metabólitos bacterianos intestinais afetam órgãos distantes, como o cérebro, a sua interação direta com os neurónios cerebrais raramente é demonstrada. 
 
O impacto dos metabólitos microbianos nos mecanismos cerebrais é geralmente considerado indireto devido à interação com, por exemplo, o sistema imunológico ou o nervo vago. No entanto, em trabalhos anteriores, a investigadora mostrou que muropeptídeos derivados de micróbios atingem o cérebro e diminuem a atividade espontânea dos neurónios cerebrais (que expressam um receptor, o Nod2). Notavelmente, esta interação direta afeta o apetite e a termorregulação de uma forma dependente do sexo e da idade.
 
Para compreender essas interações diretas, algumas questões ainda precisam ser abordadas: Como é que esse composto chega ao cérebro? Que fatores podem levar a esta ativação neuronal dependente do sexo e da idade? Existem outros compostos bacterianos neuro ativos que afetam diretamente os neurónios cerebrais? Assim, usando abordagens interdisciplinares, a investigadora Ilana que agora obteve a ERC Starting Grant, propõe neste novo projeto, (1) desvendar os mecanismos de transporte intestino-cérebro, (2) definir fatores fisiológicos (por exemplo, hormônios) que moldam essa interação micróbio-neurónio e (3) descrever novos compostos bacterianos que afetam os circuitos hipotalâmicos e os seus efeitos a jusante. Esta abordagem irá expor novos aspetos das interações hospedeiro-micróbio, contribuindo para uma compreensão mais completa e integrada da influência bacteriana nas funções essenciais do hospedeiro. Espera-se, também, que possa levar a novas abordagens terapêuticas para doenças neurológicas que apresentam prevalência específica por sexo e onde a microbiota é um fator de suscetibilidade a doenças, como as doenças de Alzheimer e de Parkinson.
 
Para Ilana, “iniciar um laboratório pode ser um desafio; obter uma ERC Starting Grant  não só disponibiliza o financiamento necessário para fazer o que sempre sonhei, como também mostra que estou na direção certa. Uma combinação poderosa que me motiva a fazer ciência de excelência”, enfatiza a vencedora.

Biografia: Ilana Gabanyi fez a sua licenciatura e o mestrado na Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Realizou o doutoramento entre a USP e a Universidade Rockefeller, em Nova York, onde estudou as interações neuroimunes no intestino. Como investigadora pós-doutorada, Ilana integrou o departamento de neurociência e imunologia do Institut Pasteur, em Paris, para trabalhar na comunicação do eixo intestino-cérebro. Ilana juntou-se ao Instituto Gulbenkian de Ciência, em 2023, para instalar e liderar o laboratório de respostas neuronais a sinais bacterianos.


Press release conjunto da FC & IGC.
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