11 Dezembro 2025

Construir pontes: ligar cuidado e comunidade

20 Anos, 20 Histórias
— Construir uma comunidade com António Parreira

Quando António Parreira se juntou à Fundação Champalimaud (FC) há mais de uma década, esta era ainda mais visão do que instituição. O edifício estava concluído, o revestimento de pedra Lioz branca brilhava junto ao rio, mas lá dentro, pouco acontecia. “Quando cheguei, só havia dois de nós – dois médicos”, lembra. “Não dava sequer para pensar em comunidade”.

Para António, que tinha estado mais de 20 anos no Instituto Português de Oncologia de Lisboa, o convite para se juntar ao projeto da FC foi mesmo um passo para o desconhecido. Encarou-o como um desafio e como uma oportunidade: para ajudar a construir de raíz um novo conceito de centro clínico que combinava a prestação de cuidados e a investigação debaixo do mesmo tecto. “O objetivo era criar uma instituição focada no cuidado ao doente e na investigação ao mesmo tempo, o que é algo muito difícil de alcançar seja em que lugar do mundo for”.

A ambição de unir a medicina com a investigação, rapidamente se tornou a essência da Fundação Champalimaud. “Queríamos desenvolver trabalho clínico centrado no doente, num ambiente multidisciplinar.”explica. “A ideia era conseguir fazer chegar a inovação diretamente à prática clínica o mais rapidamente possível, sermos inquisitivos e abertos a novas ideias na medicina”. 

Aqueles primeiros anos foram uma experiência em todos os sentidos. As decisões que se tomavam não eram apenas científicas mas estruturais: quais os tipos de cancro em que nos iríamos focar, como organizaríamos as equipas, até o tipo de cultura que queríamos criar. “Na altura, foi um trabalho disruptivo para uma instituição em Portugal,” refere, “porque a par de departamentos tradicionais individualizados, criámos equipas multidisciplinares constituídas por médicos de diversas especialidades que trabalham juntos e partilham serviços como a radiologia, medicina nuclear, patologia, cirurgia, quimioterapia e radioterapia.

Desse começo modesto, o centro cresceu a uma velocidade estonteante. “Passados dois anos, já tínhamos 20 ou 30 médicos”, relembra. “E agora, estamos a aproximar-nos dos 200”.

O crescimento trouxe nova energia e novos desafios. Como poderia uma organização desta dimensão e diversidade manter-se ligada? A resposta de António é simples: através da proximidade e partilha de um mesmo propósito. “A solução passa por colocar as pessoas a falar, a trabalhar juntas e a encontrar interesses comuns,” diz. “Por vezes isso proporciona-se simplesmente porque só existe uma cafetaria! As pessoas queixam-se das longas filas e da falta de espaço, mas por vezes, isso leva a que estejamos na fila com um investigador e a partir daí uma conversa começa. Ali mesmo pode nascer uma ideia para um projecto que poderá vir a ajudar um doente no futuro”.

Embora pareça improvável a criação propositada de filas de almoço para promover a interação entre as pessoas, acredita que estes encontros não planeados estão na base da aproximação entre a investigação e a prática clínica. “Os médicos e investigadores, frequentemente falam diferentes linguagens”, explica. “Os médicos focam-se em entender o doente como um todo, enquanto os investigadores estão treinados para decompor os problemas em partes. O desafio é juntar ambas as perspectivas e criar uma linguagem comum”.

Quando isso ocorre, acrescenta, algo de verdadeiramente extraordinário acontece. “Quando se consegue unir estes dois mundos, cria-se algo que é muito mais do que a soma das suas partes.”

Esta cultura colaborativa rapidamente se propagou para além das fronteiras de Portugal. “Sempre quisemos estar abertos a colaborações internacionais, receber pessoas de diferentes backgrounds. Essa diversidade de ideias e experiências é aquilo que faz a ciência melhor, e aquilo que forja uma comunidade”.

Mas mesmo a cultura mais forte evolui. “É mais fácil perseguir uma visão quando ela é nova,” reflete,  “mas torna-se mais difícil mantê-la quando já está estabelecida. As gerações mais novas têm outras prioridades, e isso é natural. O desafio está em preservar o mesmo sentido de missão".

No ano em que a Fundação Champalimaud comemora o seu vigésimo aniversário, essa missão continua a ser uma bússola. “Temos que nos manter verdadeiros aos nossos princípios fundadores: fazer trabalho clínico avançado e de vanguarda em estreita colaboração com a comunidade científica, e transferir a inovação para a prática clínica assim que esta seja validada pela ciência”.

Claro que a tecnologia continuará a transformar a medicina, mas António insiste na ideia de que o que mais importa é algo que nunca muda. “Independentemente do quão avançada a tecnologia se torna, deveremos sempre usá-la com cautela, de forma inteligente, para nos tornarmos mais eficientes. Mas a ligação humana, a compaixão para com os doentes, isso não poderá mudar nunca”.

Para si, a comunidade não se resume a colegas ou a disciplinas, mas antes a uma humanidade partilhada. “Temos sempre de ver o doente, e não apenas a doença,” diz. “Cada pessoa é única, e isso é o que significa medicina centrada no doente”.
É uma convicção simples, mas que capta simultaneamente a filosofia e visão constante da Fundação Champalimaud: o progresso na ciência e na medicina começa nas pessoas, e com as comunidades que, juntas, constroem.

Antes de terminar a nossa conversa, António Parreira sugeriu uma questão a colocar ao seu colega investigador Joe Paton, Diretor do Programa de Investigação em Neurociência, para o artigo que sairá a par deste:

“Como poderemos capacitar os médicos a partilhar as suas preocupações e questões intelectuais com os investigadores? Reduzir a divisão entre estes dois lados é um esforço constante. Se não cultivarmos essa comunicação, a rotina do dia-a-dia, naturalmente, irá empurrar as pessoas em direções opostas. As pessoas tendem a isolar-se em pequenos grupos, os seus próprios departamentos ou unidades, e deixam de interagir com os outros, até mesmo com aqueles que estão na porta ao lado. Manter essa abertura requer um esforço contínuo”.

Descubram a resposta do Joe brevemente…
 

António Parreira, Diretor Clínico do Centro Clínico da Fundação Champalimaud

Texto de John Lee, Content Developer da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud

Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui

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