12 Dezembro 2025

De uma página em branco a uma instituição consolidada

20 Anos, 20 Histórias
— Antes e depois com Zachary Mainen

Zachary Mainen

Pensar no passado e em como este molda o presente nunca é simples. Mas para revisitar o “Antes e o Depois” da Fundação Champalimaud (FC), Zach Mainen, que faz parte da FC desde o primeiro dia, foi uma escolha natural. Falámos sobre o que significou embarcar num projeto novo e imprevisível, e sobre como o sonho de um pequeno grupo se tornou, gradualmente, realidade. Espero que esta história inspire quem a ler a aventurar-se no desconhecido e a confiar que, mesmo quando o futuro parece incerto, este pode transformar-se em algo notável.

Era 2005 e Zach trabalhava no Cold Spring Harbor Laboratory (CSHL), recém-casado com a neurocientista Susana Lima, que também trabalhava no CSHL. Mudarem-se para Portugal nem sequer era uma opção, até surgirem notícias sobre um novo centro de investigação no país. “Especulava-se de que teria algo a ver com investigação biomédica, mas ninguém sabia ao certo em que área. Era mais um ‘não seria interessante se…?’”, recorda. Quando mais tarde nesse ano, António Coutinho o contactou para ajudar a definir o futuro da FC, Zach não hesitou. A visão inicial de um pequeno grupo de pessoas acabaria por definir o foco da FC em neurociências e comportamento. 

Zach foi o primeiro cientista a integrar a FC e, ao mesmo tempo, foi convidado a dirigir o que viria a tornar-se o programa doutoral, International Neuroscience Doctoral Programme (INDP). A FC ainda estava instalada em Oeiras, no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), e foi aí que o INDP começou, antes da FC se mudar para o novo edifício em Lisboa. “O IGC era um sítio encantador, muito antigo, mas bastava sair do corredor para estar num parque”, recorda. Foi ali que começou o forte sentido de comunidade e as animadas discussões científicas que caracterizam a FC.

A primeira edição do INDP arrancou em 2007. “Os oradores vinham para módulos semanais; às vezes eu nem estava lá e eles tratavam de tudo”, ri-se Zach. Havia um entusiasmo genuíno e as pessoas queriam fazer parte de uma nova visão e de uma nova forma de fazer ciência em Portugal. “Lembro-me de um workshop sobre o hipocampo com talvez 20 pessoas.

Convidámos os organizadores e eles trouxeram mais pessoas para ajudar, foi fantástico para os alunos e para os oradores que disseram ter adorado a experiência também”.

O que começou como uma solução logística tornou-se uma marca do INDP: “Na altura, não era possível ter um orador convidado durante um semestre inteiro, por isso criámos módulos de uma semana e isso tornou-se tradição”. Hoje, a grande parte do ensino é feita por investigadores principais da FC, um reflexo de quanto a comunidade científica cresceu desde os primeiros tempos no IGC.

Em 2008, os laboratórios no IGC estavam operacionais e Zach passou a trabalhar lá a tempo inteiro. Aqueles primeiros anos foram preenchidos com planeamento: definir o que a FC deveria oferecer aos investigadores, construir a infraestrutura, e até considerar questões práticas como creches e transportes. Paralelamente, a FC estava a recrutar intensamente. “Convidar pessoas para visitar e dar seminários era importante para ganhar visibilidade; contratámos em vagas anuais”. Era essencial pôr a FC no mapa.

A mudança para o novo edifício aconteceu em 2010-2011, funcional, mas ainda inacabado em alguns locais. O Teaching Lab já estava preparado, oferecendo aos alunos do INDP um espaço para construir, testar e experimentar. Zach sorri ao recordar-se desse período, especialmente das gaivotas. “Do meu gabinete dava para ver os ninhos. Claramente já lá estavam há anos. Cheguei a escrever sobre elas no relatório anual, apresentando-as como nossas vizinhas, elogiando a sua adaptabilidade oportunista e a forma como tiravam partido do enorme edifício”.

Falámos então sobre o quanto tudo mudou desde esses tempos. Zach descreve que, no início, a neurociência era a maior área e havia um forte espírito de comunidade que influenciava toda a FC. “Agora somos apenas uma parte entre muitos programas, com mais de mil pessoas no total. Continuamos importantes, mas somos parte de algo maior”. E, ainda assim, “não parece totalmente diferente”. 

O espírito mantém-se, apenas distribuído por mais áreas. “Às vezes mistifica-se uma idade de ouro, e foi divertido começar as coisas por nós próprios”, diz Zach, mas esta evolução era natural. “Idealizámos um programa em neurociências focado no comportamento de diferentes organismos, que rapidamente se consolidou e nos deu uma identidade distinta”. 

A expansão, porém, era esperada. “Um lado de neurociência clínica fez sempre parte dos planos, mas esteve indefinido durante anos”. Esses planos acabaram por gerar novas colaborações e até um edifício dedicado ao tema. “Inicialmente, as Terapias Digitais não faziam parte do nosso horizonte, mas hoje fazem sentido”.

Para Zach, esta expansão trouxe também novos caminhos pessoais. Desde a parceria com Albino J. Oliveira-Maia, psiquiatra e investigador na FC, para trabalhar com psicadélicos, até à adaptação de óculos de realidade virtual para doentes oncológicos em tratamento. “É bom ver esta integração a crescer, com mais ligações à clínica e aos grupos de cancro”.

Esta ligação à clínica foi intencional, recorda Zach: “A Leonor Beleza costumava dizer: coloquem os investigadores perto dos clínicos e dos doentes; a proximidade fará o resto acontecer”. Zach sublinha como este modelo é raro: uma instituição pequena que combina investigação de excelência com uma clínica ativa. “Não é uma fórmula”, diz, “mas cria terreno fértil para a colaboração”. 

Com o crescimento, contudo, surgem desafios. “Gostava daquela fase inicial da página em branco, quando era possível fazer tudo. Agora há menos espaço livre, física e conceptualmente”. Ainda assim, continua a adaptar-se, mudando o foco do seu laboratório de roedores para humanos. “É quase como começar um laboratório novo. Ao fim de alguns anos, algumas coisas resultam e outras não, e agora trata-se de construir excelência em torno das que funcionam”.

Terminámos a conversa a falar de um amigo da família que está a deixar Portugal para seguir uma carreira científica no estrangeiro. Para Zach, é frustrante que, passados 20 anos, continue a ser tão difícil construir um percurso científico estável em Portugal. Mas acredita que a FC ajudou a transformar o panorama. “O grande problema nacional mantém-se: há poucos empregos em ciência.” Em 20 anos ajudámos a mostrar que é possível fazer ciência de alto nível aqui e que ela pode impactar o país, as pessoas e os doentes. Mas se, nos próximos 20 anos, pudermos ajudar a mudar isto ainda mais, para que pessoas como o meu amigo possam regressar e construir aqui uma carreira, isso seria ainda mais significativo”. E eu não poderia estar mais de acordo.
 

Zach Mainen, Investigador Principal, Systems Neuroscience Lab, Fundação Champalimaud 

Texto de Ana Rita P. Mendes, Communication & Events Manager da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud

Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui

 

Loading
Por favor aguarde...