25 Março 2021

Depois da viagem, é tempo de desfazer a mala

Depois de um período de ausência, graças àquilo-que-todos-nós-sabemos, os eventos Ar regressaram a semana passada, cheios de energia! E aparentemente eram muitos os que ansiavam por este regresso, já que mais de 1000 pessoas se juntaram a este evento de outreach de ciência, embarcando numa viagem de exploração ao papel dos psicadélicos no tratamento de diversas perturbações mentais.

Tripping into the (un)known: treating the mind with psychedelics

Pela primeira vez, um evento Ar aconteceu exclusivamente online, mas isso não impediu a interação com o público através das diversas plataformas - Zoom, Facebook Live e YouTube - tendo sido recolhidas  mais de 200 perguntas, dirigidas aos convidados para a mesa redonda. Segundo o Dr. Bill Richards (sobre quem falaremos mais à frente), estamos a “mover-nos em novos territórios... e damos as boas-vindas a todos os que se queiram juntar a nós!”

O evento começou com uma das anfitriãs, Tatiana Silva (aluna de doutoramento no Laboratório de Comportamento e Circuitos Neuronais da Champalimaud Research - Carey Lab), a colocar uma questão ao público: “Se lhe fosse diagnosticada uma perturbação mental, consideraria submeter-se a um tratamento com substâncias psicadélicas?” A Tatiana tinha uma carta na manga, já que a mesma pergunta voltou a ser colocada no final do evento, com o objetivo de avaliar se a opinião do público havia mudado durante o evento - terá de assistir ao vídeo do evento para saber o resultado!

De seguida, o coanfitrião Tiago Quendera (aluno de doutoramento no Laboratório Neurociência de Sistemas da Champalimaud Research - Mainen Lab) apresentou uma breve história sobre as substâncias psicadélicas, focando-se  principalmente no que diz respeito à sua utilização na cultura ocidental, algo que começou basicamente na década de 1930, mas que foi ganhando expressão até à década de 1960. Durante a sua apresentação referiu ainda uma das razões pela qual a investigação com psicadélicos caiu em desuso após esse período - a utilização abusiva de técnicas experimentais que poderiam ser descritas, no mínimo, como duvidosas. No entanto, o recente interesse em torno destas substâncias está a tentar alterar esse histórico, de forma segura e regulamentada.

Trinta minutos decorridos e Carolina Seybert (psicóloga clínica e investigadora da Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud) iniciou a sua intervenção com a apresentação dos planos em desenvolvimento, aqui mesmo no Centro Champalimaud, para a realização de ensaios clínicos que permitirão avaliar a utilização  da psilocibina enquanto possível tratamento para a depressão. Este estudo envolverá doentes com depressão que irão receber doses cuidadosamente medidas deste psicadélico, num ambiente confortável e seguro, acompanhados por um terapeuta que garantirá o devido apoio psicológico.

Diretamente do Center for Psychedelics and Consciousness Studies da Johns Hopkins University, o convidado especial da noite, o Dr. Bill Richards, juntou-se a nós 45 minutos depois. Com uma enorme capacidade para captar o interesse do público, o Dr. Bill começou por relembrar a sua própria experiência, durante os anos 60, com o uso de psicadélicos enquanto estudante envolvido num ensaio clínico: uma experiência que sente ter passado o resto da sua vida a tentar perceber. Durante a meia hora seguinte, o público foi transportado numa viagem que evocou "O Lobo das Estepes" de Hermann Hesse, a teoria do Inconsciente Coletivo de Jung, misticismo, espiritualidade e muito mais. Mas há também evidências muito sólidas por trás do uso de psicadélicos no tratamento de uma grande diversidade de condições mentais e até em doentes com cancro. De acordo com o Dr. Richards, os doentes relataram que uma única sessão pode: “deixar um sentimento de admiração e gratidão e mudar a sua visão sobre si mesmo; melhorar a sua autoestima e promover uma sensação de maior ligação ao mundo em redor - sentir-se renascido e fortalecido, com uma maior apreciação pelo que é belo e pela natureza.”

No final do evento, Zach Mainen (Investigador Principal do Laboratório Neurociência de Sistemas da Champalimaud Research) e Albino Oliveira-Maia (Psiquiatra, Líder de Grupo e Diretor da Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Champalimaud) juntaram-se aos anfitriões e oradores para uma sessão de perguntas e respostas.

As perguntas dos espectadores cobriram uma vasta área de temas:
- Quais as vantagens e desvantagens do uso de psicadélicos, em comparação com os métodos mais convencionais?
- Quais são as próximas grandes questões a serem respondidas no campo da investigação com psicadélicos?
- Na prática clínica, como podemos lidar com ‘viagens’ negativas, e podem estas ser transformadas em algo positivo?
- Como podemos aprender com o passado e garantir que este tipo de investigação pode continuar, em segurança e de forma legal?
- A que distância temporal estamos do uso clínico das substâncias psicadélicas?

Para finalizar a discussão, e dando voz a perguntas semelhantes já colocadas pelo público, Albino Oliveira-Maia lançou ao Dr. Bill Richards uma questão que tem levantado muitas dúvidas: Como podemos tranquilizar aqueles que temem que, usando psicadélicos, podem transformar-se numa pessoa diferente? A resposta de Bill foi pragmática e enigmática em igual medida: "Se o psicadélico for tomado seguindo as normas legais, com a configuração correta, dosagem, orientação, etc., a pessoa transformar-se-á numa versão mais completa de si mesma. Algo de muito significativo ocorre.”

Evento Ar - Tripping into the (un)known: treating the mind with psychedelics
Evento Ar - Tripping into the (un)known: treating the mind with psychedelics

 

Ainda mal este evento terminou e já estamos ansiosos pelo próximo Ar, que podemos adiantar já estar a ganhar forma! Entretanto, poderá (re)ver este evento na página de YouTube da Champalimaud Research. 

Se quiser aprofundar um pouco mais o que sabe sobre o uso clínico de psicadélicos, estes materiais poderão ser-lhe úteis:
 

Livros:

- How to Change Your Mind: What the New Science of Psychedelics Teaches Us About Consciousness, Dying, Addiction, Depression, and Transcendence, by Michael Pollan (2018)
- Sacred Knowledge: Psychedelics and Religious Experiences, by William A. Richards (2015)
- The Body Keeps the Score, by Bessel van der Kolk (2014)
- LSD My Problem Child: Reflections on Sacred Drugs, Mysticism and Science, by Albert Hofmann (2009)

Literatura Científica (psilocibina):

Depressão:

Davis et al. 2020: https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/fullarticle/2772630
 
Carhart-Harris et al. 2018: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5813086/

Depressão/Ansiedade e Cancro:

Griffiths et al. 2016:
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0269881116675513
 
Ross et al. 2016:
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0269881116675512
 
Grob et al. 2011:
https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/fullarticle/210962

Dependência de Álcool:

Bogenschutz et al., 2015
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0269881114565144
 
Nicotine/Cigarette dependence:
Johnson et al. 2014
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0269881114548296

Perturbação Obsessivo-Compulsiva:

Moreno et al. 2006
https://www.psychiatrist.com/jcp/ocd/safety-tolerability-efficacy-psilo…

Terapia Psicadélica Assistida:

Reiff et al. 2020 
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32098487/

Watts & Luoma. 2020
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2212144719301140…

Evento Ar - Tripping into the (un)known: treating the mind with psychedelics
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