Depois de um período de ausência, graças àquilo-que-todos-nós-sabemos, os eventos Ar regressaram a semana passada, cheios de energia! E aparentemente eram muitos os que ansiavam por este regresso, já que mais de 1000 pessoas se juntaram a este evento de outreach de ciência, embarcando numa viagem de exploração ao papel dos psicadélicos no tratamento de diversas perturbações mentais.
Pela primeira vez, um evento Ar aconteceu exclusivamente online, mas isso não impediu a interação com o público através das diversas plataformas - Zoom, Facebook Live e YouTube - tendo sido recolhidas mais de 200 perguntas, dirigidas aos convidados para a mesa redonda. Segundo o Dr. Bill Richards (sobre quem falaremos mais à frente), estamos a “mover-nos em novos territórios... e damos as boas-vindas a todos os que se queiram juntar a nós!”
O evento começou com uma das anfitriãs, Tatiana Silva (aluna de doutoramento no Laboratório de Comportamento e Circuitos Neuronais da Champalimaud Research - Carey Lab), a colocar uma questão ao público: “Se lhe fosse diagnosticada uma perturbação mental, consideraria submeter-se a um tratamento com substâncias psicadélicas?” A Tatiana tinha uma carta na manga, já que a mesma pergunta voltou a ser colocada no final do evento, com o objetivo de avaliar se a opinião do público havia mudado durante o evento - terá de assistir ao vídeo do evento para saber o resultado!
De seguida, o coanfitrião Tiago Quendera (aluno de doutoramento no Laboratório Neurociência de Sistemas da Champalimaud Research - Mainen Lab) apresentou uma breve história sobre as substâncias psicadélicas, focando-se principalmente no que diz respeito à sua utilização na cultura ocidental, algo que começou basicamente na década de 1930, mas que foi ganhando expressão até à década de 1960. Durante a sua apresentação referiu ainda uma das razões pela qual a investigação com psicadélicos caiu em desuso após esse período - a utilização abusiva de técnicas experimentais que poderiam ser descritas, no mínimo, como duvidosas. No entanto, o recente interesse em torno destas substâncias está a tentar alterar esse histórico, de forma segura e regulamentada.
Trinta minutos decorridos e Carolina Seybert (psicóloga clínica e investigadora da Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Clínico Champalimaud) iniciou a sua intervenção com a apresentação dos planos em desenvolvimento, aqui mesmo no Centro Champalimaud, para a realização de ensaios clínicos que permitirão avaliar a utilização da psilocibina enquanto possível tratamento para a depressão. Este estudo envolverá doentes com depressão que irão receber doses cuidadosamente medidas deste psicadélico, num ambiente confortável e seguro, acompanhados por um terapeuta que garantirá o devido apoio psicológico.
Diretamente do Center for Psychedelics and Consciousness Studies da Johns Hopkins University, o convidado especial da noite, o Dr. Bill Richards, juntou-se a nós 45 minutos depois. Com uma enorme capacidade para captar o interesse do público, o Dr. Bill começou por relembrar a sua própria experiência, durante os anos 60, com o uso de psicadélicos enquanto estudante envolvido num ensaio clínico: uma experiência que sente ter passado o resto da sua vida a tentar perceber. Durante a meia hora seguinte, o público foi transportado numa viagem que evocou "O Lobo das Estepes" de Hermann Hesse, a teoria do Inconsciente Coletivo de Jung, misticismo, espiritualidade e muito mais. Mas há também evidências muito sólidas por trás do uso de psicadélicos no tratamento de uma grande diversidade de condições mentais e até em doentes com cancro. De acordo com o Dr. Richards, os doentes relataram que uma única sessão pode: “deixar um sentimento de admiração e gratidão e mudar a sua visão sobre si mesmo; melhorar a sua autoestima e promover uma sensação de maior ligação ao mundo em redor - sentir-se renascido e fortalecido, com uma maior apreciação pelo que é belo e pela natureza.”
No final do evento, Zach Mainen (Investigador Principal do Laboratório Neurociência de Sistemas da Champalimaud Research) e Albino Oliveira-Maia (Psiquiatra, Líder de Grupo e Diretor da Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Champalimaud) juntaram-se aos anfitriões e oradores para uma sessão de perguntas e respostas.
As perguntas dos espectadores cobriram uma vasta área de temas:
- Quais as vantagens e desvantagens do uso de psicadélicos, em comparação com os métodos mais convencionais?
- Quais são as próximas grandes questões a serem respondidas no campo da investigação com psicadélicos?
- Na prática clínica, como podemos lidar com ‘viagens’ negativas, e podem estas ser transformadas em algo positivo?
- Como podemos aprender com o passado e garantir que este tipo de investigação pode continuar, em segurança e de forma legal?
- A que distância temporal estamos do uso clínico das substâncias psicadélicas?
Para finalizar a discussão, e dando voz a perguntas semelhantes já colocadas pelo público, Albino Oliveira-Maia lançou ao Dr. Bill Richards uma questão que tem levantado muitas dúvidas: Como podemos tranquilizar aqueles que temem que, usando psicadélicos, podem transformar-se numa pessoa diferente? A resposta de Bill foi pragmática e enigmática em igual medida: "Se o psicadélico for tomado seguindo as normas legais, com a configuração correta, dosagem, orientação, etc., a pessoa transformar-se-á numa versão mais completa de si mesma. Algo de muito significativo ocorre.”
Ainda mal este evento terminou e já estamos ansiosos pelo próximo Ar, que podemos adiantar já estar a ganhar forma! Entretanto, poderá (re)ver este evento na página de YouTube da Champalimaud Research.
Se quiser aprofundar um pouco mais o que sabe sobre o uso clínico de psicadélicos, estes materiais poderão ser-lhe úteis:
Livros:
- How to Change Your Mind: What the New Science of Psychedelics Teaches Us About Consciousness, Dying, Addiction, Depression, and Transcendence, by Michael Pollan (2018)
- Sacred Knowledge: Psychedelics and Religious Experiences, by William A. Richards (2015)
- The Body Keeps the Score, by Bessel van der Kolk (2014)
- LSD My Problem Child: Reflections on Sacred Drugs, Mysticism and Science, by Albert Hofmann (2009)