09 Outubro 2025

E os vencedores são... três organizações internacionais

O Prémio António Champalimaud de Visão reconhece este ano três prestigiosas instituições globais pelo seu notável, duradouro e impactante compromisso com a prevenção e o tratamento da cegueira em todo o mundo, anunciou a Fundação Champalimaud em Setembro.

Hoj, Dia Mundial da Visão, celebramos o seu trabalho extraordinário e as suas histórias inspiradoras.

Fred Hollows foi um homem extraordinário, “uma das pessoas mais interessantes que surgiram na área da oftalmologia em muitos anos, porque foi um verdadeiro disruptor”, disse-nos Nicola Watkinson, presidente da Fundação Fred Hollows UK, durante uma entrevista em Lisboa, em Setembro, quando cá esteve para receber o Prémio António Champalimaud de Visão 2025. A Fundação Fred Hollows UK é uma entidade afiliada à Fundação Fred Hollows, que este ano foi uma das três instituições globais que partilharam o Prémio de um milhão de euros atribuído anualmente pela Fundação Champalimaud, o maior prémio nas áreas da Visão e Oftalmologia e um dos maiores prémios científicos e humanitários do mundo.

Fred Hollows era um oftalmologista da Nova Zelândia que vivia em Sydney – razão pela qual a Fundação Fred Hollows foi originalmente fundada na Austrália. Quando exercia oftalmologia em Sydney, ficou indignado com a desigualdade nos cuidados de saúde das populações aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres que, ainda hoje, têm um risco três vezes maior de cegueira quando comparados ao resto da população australiana.

Hollows também observou que o tracoma (uma doença ocular infecciosa que começa como uma infecção bacteriana e pode conduzir à cegueira) era endémico na Austrália. Este país é, de facto, o último do mundo com rendimento elevado a sofrer de tracoma a esse nível.

“Hollows partiu então numa missão para levar a saúde ocular às pessoas necessitadas, tanto na Austrália como no resto do mundo”, acrescenta Watkinson. Viajou pelo interior da Austrália e por países como Nepal, Mianmar, Sri Lanka, Índia, Bangladesh, Eritreia e Vietname, a fim de estabelecer programas de tratamento oftalmológico e defender a saúde ocular.

Hollows fez tanto trabalho em países pobres que o seu nome surge em situações inesperadas. Watkinson lembra-se de um caso específico: “Um dia, entrei num táxi em Chicago e meti conversa com o motorista, que reconheceu o meu sotaque, que ainda tem um traço australiano. Perguntou se eu era da Austrália, e eu respondi-lhe que sim.”

“E então, do nada”, continua, “ele mencionou Fred Hollows. Quando lhe perguntei como conhecia Hollows, respondeu-me: “Sou da Somália, e Fred veio um dia à nossa aldeia e fez várias cirurgias oculares, e treinou algumas pessoas da nossa comunidade. A minha escola tem o seu nome porque ele teve um impacto genuíno na vida da nossa comunidade”.

“Isso fez-me realmente pensar em como pessoas como Fred podem ser verdadeiros agentes de mudança ao levar para outras partes do mundo, onde o acesso à saúde é tão limitado, o tipo de saúde ocular que tradicionalmente consideramos associado ao Ocidente”.

Levar cuidados oftalmológicos a milhões de pessoas

Hoje, mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo têm perda de visão devido à falta de acesso a cuidados oftalmológicos. Dessas pessoas, mais de 90% não deveriam ser cegas ou ter deficiência visual, pois a sua condição pode ser resolvida sem muita complexidade, nomeadamente dando-lhes acesso a óculos ou a cirurgias das cataratas. Estas intervenções médicas estão entre as mais directas e económicas que existem.

Para além dos problemas de saúde que causa, a perda de visão tem um impacto na capacidade das pessoas para trabalhar, na capacidade das crianças para ir à escola e aprender e, de um modo geral, na vida quotidiana das pessoas. Como é expectável, o impacto económico é igualmente enorme: a nível global, mais de 400 mil milhões de dólares por ano são perdidos em produtividade devido à perda de visão, bem como 6,3 milhões de anos de aprendizagem infantil. 

Estratégias complementares

Os laureado do Prémio de Visão deste ano foram a Fundação Fred Hollows (FHF); a Fundação Lions Clubs International (LCIF) e o seu programa SightFirst; e a Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira (IAPB).

“Através de um esforço conjunto, estas três organizações, com diferentes modelos de intervenção – que vão da mobilização de base à transformação dos sistemas de saúde e à influência nas políticas globais – criaram um impacto profundo e mensurável na luta contra a cegueira evitável”, escreve a Fundação Champalimaud (FC) no seu anúncio oficial. “O Prémio António Champalimaud de Visão 2025 reconhece e celebra a dedicação contínua, as estratégias complementares e a liderança destas organizações na promoção da saúde ocular global e o seu papel como instrumentos de esperança, equidade e dignidade para centenas de milhões de pessoas em todo o mundo.”

Sobre a FHF, o documento afirma: “Ao longo de 33 anos, a Fundação Fred Hollows apoiou mais de oito milhões de pessoas, restaurou a visão a mais de três milhões e realizou mais de 560.000 cirurgias”. Além disso, distribuiu mais de 178.000 pares de óculos e formou mais de 66.000 pessoas, de profissionais de saúde comunitários locais a professores e cirurgiões. A Fundação opera em mais de 25 países na Ásia, África e Oceânia.

Kate Bool, diretora de Filantropia e Parcerias para o Reino Unido e Europa da FHF, declarou durante uma entrevista, também em Lisboa: «Se trouxéssemos médicos e enfermeiros para tentar tratar os casos que se vão acumulando, nunca conseguiríamos resolver o problema e, na verdade, deixaríamos os países dependentes do apoio estrangeiro. Em vez disso, o que queremos fazer é apoiar os países, os governos, as estruturas regionais de saúde e as comunidades locais a reforçar e prestar os seus próprios cuidados oftalmológicos – através da formação de médicos, enfermeiros e profissionais de saúde comunitários – prestando para isso apoio a sistemas de dados, sistemas de saúde e aos processos de encaminhamento dos doentes. E ainda garantir que os serviços compreendem como chegar às populações geograficamente mais remotas ou às populações mais socialmente marginalizadas, tais como mulheres, crianças, minorias étnicas ou aqueles que sofrem outras formas de discriminação.”

“O professor Fred Hollows faleceu na década de 1990”, acrescentou Bool, “e, desde então, temos trabalhado para dar continuidade ao seu legado. O nosso objetivo é garantir que ninguém tenha de viver com cegueira ou deficiência visual evitável.”

Em relação à LCIF, a declaração oficial da CF diz: “A Fundação Lions Clubs International, através do seu programa SightFirst, lançado em 1990, permitiu que mais de 544 milhões de pessoas em todo o mundo tivessem acesso a cuidados oftalmológicos.” Com o envolvimento directo de membros do Lions, profissionais de saúde e parceiros comunitários, o programa também formou mais de 2,6 milhões de profissionais de saúde ocular e apoiou a construção e o equipamento de mais de 1.700 centros de cuidados oftalmológicos. O SightFirst opera em 118 países e já facilitou mais de nove milhões de cirurgias das cataratas, evitou a perda grave da visão em 30 milhões de pessoas e melhorou os serviços de cuidados oftalmológicos para centenas de milhões de pessoas em todo o mundo. Em 2024, o programa apoiou mais de 10.500 cirurgias das cataratas – e exames oftalmológicos para quase 54.000 pessoas – só no Paquistão.

Fabrício Oliveira, atual presidente do Conselho de Curadores da LCIF, explicou durante uma entrevista que “o Lions é uma organização voluntária fundada em 1917 por um grande visionário, Melvin Jones, que era corretor de seguros. Jones sempre acreditou que estava na hora de as pessoas fazerem algo para ajudar os seus semelhantes”.

A ideia surgiu, com a ajuda da própria Hellen Keller, entre os membros de um círculo empresarial de Chicago – e o primeiro clube foi fundado. Hoje, o Lions tem aproximadamente 1,4 milhões de membros em todo o mundo, em 50.000 clubes, e está presente em 210 países e regiões geográficas. “Construímos e equipamos cerca de 1.800 clínicas em todo o mundo e realizámos 9,8 milhões de cirurgias das cataratas”, acrescenta Oliveira. “Há 100 anos que a nossa organização presta serviços a milhões e milhões de pessoas todos os anos.”

Quanto à IAPB, diz o comunicado oficial, “a Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira reúne mais de 250 organizações-membros em mais de 100 países, incluindo governos, instituições académicas e profissionais de saúde. Destaca-se pelo seu trabalho estratégico na defesa de causas, desenvolvimento de políticas e promoção de parcerias”, desempenhando um papel fundamental na definição da agenda global e na promoção de melhorias sistémicas nos cuidados oftalmológicos. O número de membros cresceu 66% nos últimos 10 anos. Entre as suas iniciativas mais recentes está a criação de orientações normalizadas para os Programas Escolares Abrangentes de Saúde Ocular, que poderão beneficiar mais de 700 milhões de crianças em todo o mundo.

“A IAPB é a aliança global para o sector dos cuidados oftalmológicos em todo o mundo”, afirmou Peter Holland, director executivo da IAPB, numa entrevista. “Somos uma organização associativa. Temos agora quase 300 membros, provenientes de organizações não governamentais, hospitais oftalmológicos, instituições académicas, e um número crescente de membros do sector empresarial.”

A IAPB existe há quase 100 anos, acrescentou. “Na verdade, foi fundada em 1928 por um grupo de oftalmologistas particularmente preocupados com as causas da cegueira evitável. Naquela altura, centrava-se nas doenças infecciosas que causam cegueira e foi bastante activa na década de 1930, mas com a Segunda Guerra Mundial entrou em declínio.” Foi reactivada em 1975.

Holland também tinha uma história pessoal para partilhar connosco. “Há alguns anos, a minha filha participou num espectáculo escolar e, devido à iluminação do local, sofreu danos na retina. Como vivo num país onde há cuidados oftalmológicos fantásticos, graças aos cuidados que recebeu, os seus olhos melhoraram e ela conseguiu apresentar-se aos exames finais da escola. Este ano teve um ótimo desempenho e vai estudar neurociências.”

“A questão é”, acrescenta Holland, “que absolutamente todas as pessoas têm este tipo de histórias para contar. Temos uma campanha, a Every Story Counts (Todas as histórias contam), porque dispomos de muitos números no sector, mas sabemos que, por trás de cada um desses números, há um indivíduo, uma pessoa. Queremos que as pessoas contem as suas histórias para dar vida a esses números.”

Juntas, estas três organizações lembram-nos que restaurar a visão não se resume apenas a curar os olhos – trata-se também de libertar o potencial humano. O seu trabalho continua a iluminar o caminho a seguir, transformando o que antes era considerado impossível numa realidade quotidiana para milhões de pessoas. Como a cegueira evitável ainda afecta desnecessariamente tantas pessoas em todo o mundo, a visão destas organizações – um futuro onde ninguém seja deixado na escuridão – nunca foi tão urgente ou inspiradora.

Texto de Ana Gerschenfled, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.
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