16 Agosto 2025

A inteligência artificial pode ajudar no diagnóstico não-invasivo do cancro da próstata

O recurso a modelos de inteligência artificial (IA) na detecção do cancro da próstata permitiria poupar um número substancial de homens a biópsias desnecessárias à próstata.

A inteligência artificial pode ajudar no diagnóstico não-invasivo do cancro da próstata

Uma equipa internacional e multidisciplinar, liderada por investigadores da Fundação Champalimaud, desenvolveu um algoritmo de inteligência artificial que permite melhorar a fiabilidade da detecção do cancro da próstata baseando-se somente nas imagens de ressonância magnética (IRM) – ou seja, sem recorrer a uma biópsia. Os seus resultados foram publicados hoje, 15 de agosto, na revista Radiology: Imaging Cancer.

O protocolo-padrão de diagnóstico do cancro da próstata começa quando um homem faz um teste sanguíneo de rotina à PSA (em português, antigénio específico da próstata) e o valor deste indicador se revela anormalmente elevado. O homem é então submetido a uma ressonância magnética (RM) para determinar se existem ou não lesões suspeitas na sua próstata.

Em seguida, os radiologistas analisam as potenciais lesões cancerosas nas imagens obtidas e sintetizam a sua avaliação utilizando uma escala com valores de 1 a 5, chamada PI-RADS (em inglês: Prostate Imaging Reporting and Data System), que tem em conta diversas características visuais das lesões, tais como textura, forma e tamanho. 

Valores de PI-RADS iguais a 1 e 2 representam um baixo nível de risco de cancro, fazendo com que seja geralmente recomendada uma vigilância activa das lesões, sem intervenções adicionais, para monitorizar eventuais mudanças que indiciem uma progressão para a malignidade. Valores de 4 ou 5 significam que a presença de um cancro é muito provável. Geralmente, é recomendada uma biópsia para confirmação do diagnóstico e, se a biópsia confirmar que as lesões são cancerosas, o tratamento mais adequado – cirurgia, radioterapia, quimioterapia, imunoterapia, etc. – será escolhido caso a caso. 

No caso de o PI-RADS ser igual a 3, a necessidade de realizar uma biópsia para descartar o diagnóstico de cancro depende de factores como a localização da lesão, os níveis de PSA e outros dados clínicos.

Mas quando o PI-RADS é superior a 3, é quase sempre realizada uma biópsia – uma vez que, mesmo quando o resultado da imagiologia aponta para a ausência de cancro, pode tratar-se de um “falso negativo”.

Ora, uma biópsia é uma intervenção invasiva, que pode consistir numa série de punções da próstata para retirar amostras celulares das lesões. Pode provocar muito desconforto para os doentes, bem como infecções – já para não falar dos custos adicionais que este exame acarreta. 

José Almeida (pós-doutorado, especialista em inteligência artificial e data science) e a equipa do Grupo de Imagiologia Clínica Computacional da FC, dirigida por Nickolas Papanikolaou, autor principal do estudo – em colaboração com colegas de outras instituições portuguesas, da Grécia e de Itália – quiseram saber se a IA poderia ajudar a reduzir o número de biópsias desnecessárias. Seria possível prever robustamente se as lesões visíveis nas imagens de RM são ou não malignas? “O nosso modelo tenta prever se a biópsia irá ou não ser positiva, directamente a partir do diagnóstico radiológico”, explica Almeida. 

O que o estudo agora publicado conclui é que, efectivamente, a utilização de IA na fase de avaliação radiológica das lesões da próstata poderá ajudar os radiologistas a fazer um diagnóstico robusto, sem recorrer a biópsias, em cerca 20 por cento dos casos. 

Um manancial de dados

O trabalho foi realizado com base nos dados de imagiologia da próstata por ressonância magnética, recolhidos ao longo de vários anos no âmbito do projecto ProCancer-I. Lançado em 2020 por um consórcio europeu, foi financiado pelo programa Horizon 2020 da União Europeia (https://www.fchampalimaud.org/pt-pt/news/inteligencia-artificial-pode-e…). 

O projecto focava-se em melhorar o diagnóstico radiológico e também em verificar se existiria maior capacidade, através de modelos de inteligência artificial, para a realização de diagnósticos radiológicos do cancro da próstata, comparativamente com o que tinha sido explorado até lá.

No âmbito do ProCancer-I, foi desenvolvido um arquivo centralizado de imagens, o ProstateNET, contendo dezenas de milhares de exames de IRM da próstata. Provenientes de 12 centros clínicos, nove países e três fabricantes de máquinas de RM, estes dados destinavam-se a ser utilizados para treinar e testar modelos de IA. “Graças a esta plataforma, conseguimos dispor de um volume de casos difícil de igualar – perto de 9.000 – para treinar o nosso modelo”, diz Almeida. 

As informações fornecidas ao modelo durante a fase de treino incluíam imagens de RM, a idade do doente, o valor da PSA, o valor do PI-RADS e a localização da lesão na próstata. “Todas elas eram variáveis disponíveis na altura em que o doente faz o exame radiológico”, salienta Almeida. “Não demos nada ao modelo a que ele não tivesse acesso numa situação real.”

Uma parte dos dados, qualificados de “retrospectivos” – mais precisamente, recolhidos antes de 31 de Março de 2022 –, foi utilizada para treinar o modelo de IA. E uma outra – dados prospectivos, registados após essa data – para o validar. Esta separação temporal permitiu testar a robustez das previsões do modelo.

Para além disso, o modelo de IA também foi posto à prova com um conjunto de dados provenientes do hospital Agios Savas (Grécia) que não constava no arquivo de imagens, numa “validação prospectiva externa com dados completamente desconhecidos para o modelo”, como explica o investigador. 

Por último, é de destacar que o modelo foi testado em imagens obtidas com múltiplas modalidades de IRM e, como já referido, várias marcas de máquinas. 

Menos biópsias desnecessárias

A principal conclusão do estudo é que o modelo de IA demonstrou maior sensibilidade (capacidade de identificar biópsias efectivamente positivas) e especificidade (capacidade de identificar biópsias efectivamente negativas) do que a escala PI-RADS.

“O modelo superou o PI-RADS na validação retrospectiva (...) e nos conjuntos de validação prospectiva, levando a 22,7% menos biópsias em comparação com o PI-RADS”, escrevem os autores no seu artigo. 

Por outro lado, “as análises de sensibilidade mostraram a importância de múltiplas sequências [várias técnicas simultâneas de aquisição das imagens de RM] e múltiplos fornecedores [de máquinas] (...), uma vez que o uso de sequências ou fornecedores específicos isoladamente levou a um pior desempenho.”

Parte do estudo envolveu ainda verificar o desempenho do modelo em vários cenários: as limitações destes modelos devem ser detectadas o mais cedo possível para evitar que sejam utilizados em circunstâncias que provoquem erros no diagnóstico. Por exemplo, quando a área do corpo abrangida pelo exame é demasiado grande, é mais provável que o modelo falhe. Saber isto torna possível uma aplicação mais sistemática e segura do modelo.

A aplicação deste modelo na prática clínica pode demorar alguns anos. “O modelo desenvolvido”, escrevem os autores, “pode potencialmente ajudar os médicos a reduzir o número de biópsias desnecessárias, uma vez que demonstrou um poder de generalização extremamente elevado e provou ser robusto na maioria das subcoortes analisadas. Trabalhos futuros devem concentrar-se na incorporação de fontes adicionais de informações clínicas, como raça/etnia, histórico familiar de cancro da próstata ou outras síndromes de cancro hereditário e risco genético de cancro da próstata.” Será também necessário compreender melhor o desempenho do modelo em situações reais.

“A ideia é continuarmos a validar esta abordagem de uma maneira mais robusta e sistemática”, diz Almeida. “Grandes afirmações exigem grandes provas.”

 

Artigo original aqui.
Texto de Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.
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