O cancro do pulmão é a principal causa de morte por cancro. Uma das razões para isso é que é difícil detectar e diagnosticar este cancro numa fase inicial, porque os métodos actualmente disponíveis são impraticáveis ao nível da população.
“As recomendações actuais [para a detecção precoce e diagnóstico do cancro do pulmão] são a realização de uma TCBD [tomografia computadorizada de baixa dose] anual nos doentes de alto risco”, escrevem os autores no seu artigo. (...) No entanto, o elevado custo, a disponibilidade limitada, os falsos positivos, o sobrediagnóstico e o tratamento excessivo são alguns dos obstáculos à realização de programas de rastreio baseados neste método.”
Nos últimos anos, uma metodologia não invasiva, fácil de realizar e de baixo custo tem vindo a ganhar força, sob o nome de “biópsia respiratória”. Essencialmente, consiste em fazer as pessoas respirarem através de uma máscara que recolhe amostras do ar que sai dos seus pulmões. Quando estão presentes nas amostras, os compostos relacionados com o cancro do pulmão podem então, em princípio, ser detectados.
Pedro Duarte Vaz, investigador especializado em química da Unidade de Pulmão da Fundação Champalimaud (FC), em Lisboa – e colegas da sua unidade e de outras unidades da FC, da Universidade Nova de Lisboa e do Centro Hospitalar Lisboa Norte – publicaram recentemente um estudo, na revista Cancers, que demonstra o potencial da utilização da IA para melhorar a robustez e a fiabilidade da análise de biópsias respiratórias.
Ar exalado: uma mistura complexa
Na Fundação Champalimaud, um projecto pioneiro, chamado VOX-PULMO, tem sido liderado por Duarte Vaz desde o início de 2020. “Tal como as amostras de sangue, as biópsias respiratórias são apenas uma forma de avaliar o estado do corpo humano – só que neste caso, a amostra é de ar exalado”, explicou Duarte Vaz numa entrevista em 2021.
De facto, o ar exalado é uma mistura complexa de um grande número de componentes. Proveniente dos pulmões e das vias respiratórias, contém compostos orgânicos voláteis (VOCs na sigla em inglês) que, segundo diversos estudos, podem ser usados para distinguir os doentes com cancro do pulmão dos indivíduos saudáveis.
No entanto, uma das limitações deste método é que a técnica utilizada para separar e identificar os VOCs nas amostras de ar exalado, chamada cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa (GC-MS na sigla em inglês), pode apresentar menor sensibilidade quando os níveis de compostos voláteis são baixos, dificultando a sua identificação de forma fiável.
Desde então, surgiu uma técnica mais rápida, menos exigente em termos tecnológicos e mais sensível: a GC-IMS (cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de mobilidade iónica). Uma das principais vantagens da GC-IMS é que ela pode construir um perfil dos VOCs a partir de amostras de ar exalado sem ser necessário identificar cada composto.
Este é o método que os investigadores utilizaram agora no novo estudo. Recrutaram 196 participantes, 73 dos quais com cancro do pulmão, vindos de dois centros clínicos de Lisboa, e 123 pessoas sem cancro do pulmão. Todos os doentes com cancro do pulmão tinham tido a sua doença confirmada através de uma biópsia. Os dados resultantes produziram um conjunto de “impressões digitais químicas”, que representa o perfil de VOCs de uma determinada amostra.
A IA pode excluir o cancro de forma fiável
É aqui que a inteligência artificial entra em campo. A equipa, co-liderada por Fernando Luís-Ferreira, da Universidade Nova de Lisboa, treinou e testou três algoritmos de aprendizagem diferentes em conjuntos separados de impressões digitais químicas. Os resultados indicam que o método assistido por IA é altamente fiável para descartar o cancro do pulmão – ou seja, uma ferramenta consistente para ajudar os médicos a detectar o cancro do pulmão.
“O nosso estudo demonstra que, potenciando a análise dos perfis de ar exalado com métodos baseados em IA (e sem ser necessário considerar as informações qualitativas sobre os componentes (bio)químicos específicos), pode ser possível estabelecer a análise do ar exalado como método de rastreio do cancro do pulmão”, diz Duarte Vaz.
No entanto, os autores alertam que os seus resultados são preliminares e que serão necessários estudos mais alargados para validar o método.
Artigo original aqui.
Texto de Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.