24 Junho 2022

Maior a ameaça, maior a sintonia

Quem diria que as moscas que volta e meia aparecem a zanzar junto da taça da fruta são animais sociais!
Quem diria que, quando sob uma ameaça, seguem as indicações dadas pelas outras moscas!
Será que uma mosca perante um perigo se comporta como “uma Maria vai com todas”?
Será que a influência que o grupo tem sobre uma mosca que está perante uma ameaça é sempre igual? Ou será esta dependente do nível dessa ameaça?

Maior a ameaça, maior a sintonia

Investigadores do Laboratório de Neurociência Comportamental na Fundação Champalimaud, em Portugal, dedicam-se ao estudo de como o contexto social influencia a resposta do indivíduo a uma ameaça. 

No passado, demonstraram que, quando em grupo, as moscas-da-fruta confrontadas com uma ameaça inescapável diminuem as suas defesas relativamente a quando estão sós. Observaram ainda que se as outras moscas páram, o indivíduo também pára; quando o grupo começa novamente a mover-se, o indivíduo também volta a mexer-se. Estar em sintonia com as outras moscas à sua volta parece assim trazer segurança.

No seu mais recente artigo, agora publicado na Frontiers in Ecology and Evolution, investigadoras deste laboratório revelam que, face a uma ameaça, as reações de uma mosca- da-fruta, no seio de um grupo, dependem do nível da ameaça. No início do estudo as opiniões dividiam-se: por um lado, havia quem achasse que na presença de uma ameaça maior, a mosca prestaria menos atenção ao grupo, porque iria focar a sua máxima atenção na evidência direta da ameaça; por outro, havia quem considerasse que, perante uma ameaça maior as moscas prestariam mais atenção ao meio que as rodeia, incluindo o comportamento das outras moscas.

Para conseguirem medir a resposta de uma mosca, na presença das mesmas pistas sociais mas sob níveis de ameaça diferentes, Clara Ferreira e Marta Moita, investigadora de pós-doutoramento e investigadora principal, respetivamente, desenharam uma engenhosa experiência. 

Esta experiência envolveu, por um lado, um conjunto de moscas manipuladas geneticamente por forma a não conseguirem ver o estímulo que foi usado como ameaça (um círculo escuro que se vai aproximando do indivíduo) e, por outro, um grupo de moscas com um tipo de neurónios do sistema visual que tinha sido ativado através da optogenética (uma técnica que combina a luz e a genética, capaz de ativar e desativar neurónios). Isto permitiu submeter a mosca a diferentes estímulos sociais sem que estes fossem afetados pelo nível da ameaça. 

Os resultados foram claros, para níveis de ameaça mais elevados, as moscas respondem mais à evidência social, transmitida pelo grupo. Para Clara Ferreira, isto faz todo o sentido: “Sabemos que a resposta de imobilização perante a ameaça é energeticamente dispendiosa, pelo que é da máxima importância limitar esta resposta ao estritamente necessário. A sintonia com os outros animais permite que o indivíduo responda rapidamente à ameaça e consiga regressar à  normalidade o quanto antes.” 

Marta Moita conclui, “No futuro gostaríamos de explorar melhor esta ideia. Ou seja, perceber de que forma a sintonia entre animais num grupo permite uma resposta mais ajustada à ameaça e quais os mecanismos neuronais subjacentes a essa sintonia."

Greater Threat, Greater Syntony
Legenda da imagem: O engenhoso set up que permitiu responder à pergunta - Qual a resposta da mosca ameaçada (ponto azul) quando rodeada por moscas que não vêem a ameaça e continuam a mover-se (cruz vermelha) e moscas que são imobilizadas com recurso à optogenética (círculo vermelho)?
 
Texto de John Lee, Content Developer & Catarina Ramos, Co-Coordenadora da equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud.
Artigo científico

Clara H. Ferreira, Mirjam Heinemans, Matheus Farias, Rui Gonçalves and Marta A. Moita. Social Cues of Safety Can Override Differences in Threat Level. Frontiers in Ecology and Evolution. doi: 10.3389/fevo.2022.885795.

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