27 Novembro 2025

A novos começos

20 Anos, 20 Histórias
— Percursos Inesperados com Vânia Conde

Vânia Conde

Vânia Conde ainda se lembra da primeira vez que entrou na Fundação Champalimaud (FC): uma mistura de curiosidade, entusiasmo e um toque de nervosismo.

Enfermeira experiente, com mais de uma década no Instituto Português de Oncologia (IPO), já estava habituada ao ritmo da oncologia e dos cuidados intensivos, confiante das suas capacidades. No entanto, a FC, com a sua arquitetura impressionante e tecnologia de ponta, parecia-lhe um mundo “demasiado polido” para alguém que ainda se via como uma rapariga terra-a-terra, direta e sem rodeios, vinda das Caldas da Rainha.

“Pensei que tinha de me portar bem”, recorda Vânia, com uma gargalhada. “Sabes? Fingir que pertencia ali. Mas o mais engraçado é que rapidamente percebi que não precisava de mudar quem sou.”

A sua primeira impressão da Fundação foi de admiração: espaços abertos, jardins, equipamentos de vanguarda, tudo parecia novo e concebido para inspirar. Vinda dos corredores antigos e movimentados do IPO, Vânia admite que sentiu algumas reservas. “Tinha os meus próprios preconceitos e estereótipos para desconstruir”, recorda. Temia que os doentes fossem menos gratos, que o ambiente fosse demasiado formal, demasiado requintado para o seu estilo franco. No entanto, a realidade revelou ser exatamente a oposta. A Fundação deu-lhe os meios para prestar melhores cuidados, o tempo para realmente estabelecer uma ligação com os doentes e, sobretudo, uma equipa que valorizava a sua autenticidade.

A adaptação, contudo, não foi isenta de desafios. Habituada a unidades de cuidados intensivos com salas abertas e ampla visibilidade, Vânia ficou inicialmente ansiosa quando viu os doentes separados por portas de vidro. “Achei que não chegaria a tempo se precisassem de mim, que estavam ‘fora do meu alcance’.” Mas rapidamente se adaptou, aprendendo a conciliar a vigilância com o respeito pela privacidade, assegurando que os doentes recebiam os cuidados necessários sem comprometer a sua dignidade. Adoptou também pequenos gestos que viu fazerem a diferença: um pouco de creme, um toque de batom, um sorriso. “Às vezes são os gestos mais simples que têm o maior impacto”, diz.

A abordagem de Vânia, direta, calorosa e despretensiosa, rapidamente contagiou a equipa. Contribuiu não só com a sua competência técnica, mas também com espírito de camaradagem. As piadas nos corredores, as partidas, as celebrações com os doentes nas épocas festivas, tudo isso fazia tanto parte do seu trabalho, como administrar cuidados e medicação. Numa passagem de ano memorável, ela e os colegas que estavam de serviço nessa noite, celebraram com um único doente, com chapéus de festa e “champanhe” a fingir, transformando uma noite silenciosa num momento de alegria partilhada.

O seu percurso não foi apenas de adaptação a um novo centro clínico; foi também sobre abraçar a mudança na sua própria vida. Uma cuidadora por natureza, Vânia sempre se sentiu atraída pela área da saúde e da enfermagem. No entanto, como mãe, viu-se a repensar prioridades, equilibrando turnos exigentes com a vida familiar.

Foi a curiosidade que a levou a explorar a medicina chinesa. Depois de testemunhar o efeito transformador da acupuntura na sua própria mãe, Vânia iniciou um curso de medicina tradicional chinesa, numa primeira fase como exploração pessoal, mais tarde como um novo caminho profissional. “Era um mundo completamente diferente”, recorda. “Passei da oncologia, onde lidamos muitas vezes com o fim de vida, para a fertilidade, onde, através da acupuntura, trabalho com a esperança e novos começos, mas também, por vezes, com a perda e o luto. Ainda assim, a essência do cuidar, da empatia e da ligação humana, essa nunca muda.”

“A Fundação deu-me condições, recursos e liberdade”, afirma Vânia. “Mas o que a torna verdadeiramente especial são as pessoas. A equipa, os doentes, as famílias, criámos algo juntos. É disso que mais sinto falta.”

Durante o tempo que passou na Fundação, Vânia atribui o seu crescimento às pessoas com quem privou. Os colegas, diz, foram os seus mentores: especialistas com quem aprendeu, companheiros com quem partilhou sucessos e frustrações. “Sempre tive a sorte de trabalhar com pessoas que sabiam mais do que eu”, acrescenta. “É uma bênção, porque nos obriga a continuar a aprender, algo que vivi no IPO, na Fundação Champalimaud e também na clínica de acupuntura onde agora trabalho.”

Mesmo fora da prática clínica, a paixão de Vânia pelas ligações humanas continua, através do fado. Canta às quartas-feiras em Lisboa, e encontra um paralelo entre a música e a enfermagem: tocar as pessoas, por vezes sem palavras, criando uma ligação emocional que perdura no tempo. Quer esteja a segurar a mão de um doente, ou a cantar um fado sentido num espaço apinhado de gente, o princípio é o mesmo.

Ao refletir sobre a sua carreira, Vânia sublinha as vantagens de seguir a curiosidade e o coração. Ao deixar uma posição estável no IPO para integrar a FC, e mais tarde ao enveredar pela medicina tradicional chinesa e pela fertilidade, abraçou a incerteza, não por necessidade, mas pelo seu desejo de explorar, cuidar e crescer.

A história da Vânia é uma história de coragem, auto descoberta e do poder da autenticidade. Seja a percorrer os corredores do recobro no centro cirúrgico ou na clínica de acupuntura, passando pelas exigentes rotinas da prática clínica ou palcos íntimos e pouco iluminados das casas de fado, continua guiada pelos mesmos princípios: empatia, ligação e a coragem de ser ela própria.


Vânia Conde, Antiga Enfermeira da Unidade de Cuidados Intensivos do Centro Cirúrgico da Fundação Champalimaud, Atualmente Especialista em Medicina Tradicional Chinesa


Texto de Teresa Fernandes, Co-coordenadora da Equipa de Comunicação, Eventos & Outreach da Fundação Champalimaud
 

Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui

Loading
Por favor aguarde...