04 Dezembro 2025
O engenho invisível
20 Anos, 20 Histórias
— Nos bastidores com Joaquim Teixeira
04 Dezembro 2025
20 Anos, 20 Histórias
— Nos bastidores com Joaquim Teixeira
Quando Joaquim Teixeira ouviu falar pela primeira vez da Fundação Champalimaud (FC), não foi nos media nem num anúncio de emprego, mas através de uma amiga, que o convidou para uma Happy Hour. “Éramos talvez vinte pessoas no máximo, mas a atmosfera tinha uma certa intensidade. Sentia-se que algo significativo estava prestes a acontecer e que queríamos fazer parte.”, recorda.
Nessa altura, o edifício da FC era recente, o programa de neurociência contava já com algumas pessoas mas não havia uma estrutura, e grande parte do que viria a ser a FC era ainda apenas uma ideia. Mas mesmo nessa fase inicial, havia algo de magnético “uma instituição ousada, com uma visão que parecia maior do que um conjunto de laboratórios ou departamentos.”
Na época, estava focado numa startup que tinha co-fundado na área de transferência de tecnologia e gestão de propriedade intelectual. Em 2012, essa empresa foi contratada pela FC para avaliar um portefólio de patentes relacionadas com cancro da próstata. “Deve ter corrido bem”, sorri, “porque uma coisa levou à outra.” Rapidamente, o seu trabalho expandiu-se para a gestão da propriedade intelectual da FC e para ajudar a criar o Office of Sponsored Programmes, o início de uma longa jornada.
“Não entrei porque tinha tudo planeado”, diz. “Entrei porque existia ali um espaço onde descobrir o caminho tinha valor.” Esse espírito de curiosidade, adaptabilidade e confiança viria a definir o seu percurso na FC. “Havia urgência, propósito e confiança. A maioria de nós estava a iniciar a carreira após o doutoramento e sabíamos muito pouco sobre tudo o que suporta a ciência. Mas a cultura aqui dava-nos confiança. Avançamos primeiro, aprendemos enquanto fazemos, e a liderança confia em nós antes mesmo de confiarmos em nós próprios.”
Essa confiança, explica, é o motor invisível que impulsiona a FC. “Não é preciso esperar por uma autorização para contribuir. És posto à prova, desafiado, mas também apoiado.”
Com o tempo, os seus papéis multiplicaram-se e transformaram-se: gestão de programas de financiamento, projetos de inovação, portefólios de propriedade intelectual e, mais tarde, participação no desenho de espaços-chave no Pancreatic Cancer Center, incluindo as Salas de Infusão (dedicadas à quimioterapia). “A inspiração veio das viagens em primeira classe: privadas, confortáveis, dignas”, diz. “Aquelas salas acolhem pessoas em alguns dos momentos mais difíceis da sua vida. Trazem calma e respeito. O impacto nem sempre tem de ser ruidoso; às vezes está em escolhas de design discretas que protegem a dignidade.”
O sentido de pertença moldou não só a sua carreira, mas também a sua perspetiva sobre o que faz uma instituição perdurar. “A responsabilidade vem antes do conforto. Assumimos funções antes delas existirem plenamente. Não recebes uma descrição de funções, começas a construí-la. E porque as pessoas confiam na tua intenção, cresces.”
Ri-se ao lembrar o quão jovem era toda a gente nesses primeiros tempos. “Quando vejo fotos antigas, pergunto-me: teria contratado alguma destas pessoas? Provavelmente não. Mas alguém viu em nós o potencial para estar à altura.”
Quando questionado sobre o maior desafio, não hesita: “Construir estruturas que resistam ao tempo enquanto se corre a toda a velocidade.” De vinte pessoas para mais de mil, o crescimento da FC tem sido extraordinário e acompanhar esse ritmo exige reinvenção constante. “Não podemos parar. Não podemos dizer aos doentes para irem para casa um mês enquanto nos reorganizamos”, explica. “Por isso, adaptamo-nos com o comboio em andamento. É desconfortável, mas é assim que se cresce.”
Sobre o que mantém tudo a funcionar nos bastidores, Joaquim aponta a própria cultura como “a heroína silenciosa”.
“Há tantas pessoas que não se vêem, desde a recepção ao back office, a equipa de limpeza, os trabalhadores administrativos. São eles que fazem tudo funcionar. Quando as coisas funcionam, não se dá por eles, e esse é o objetivo. Só quando faltam é que percebemos o quão essenciais são.”
Fica com um brilho no olhar ao falar de colegas como Cátia Feliciano, com quem, curiosamente (ou talvez não!), partilha “Nos Bastidores” nesta série 20 Anos, 20 Histórias. “É das pessoas mais dedicadas que conheço, uma força da natureza. Admiro a sua forma de trabalho, do tipo silencioso que faz as coisas avançarem.”
Olhando para o futuro, vê os próximos vinte anos como simultaneamente entusiasmantes e imprevisíveis. “A inteligência artificial, o machine learning, a velocidade da inovação, tudo isso vai transformar o que fazemos. Mas acredito que vamos continuar a amadurecer, tornando-nos uma referência mundial em terapias inteligentes e ciência translacional. Mais do que isso, acho que continuaremos a redefinir o que uma fundação orientada por propósito pode ser. A FC não se limita a distribuir financiamento, mostra como isso pode ser feito. Construímos o futuro antes de outros o conseguirem imaginar.”
E quando se fala de legado, a resposta é humilde. “Legado não é ser lembrado, é continuidade. É saber se o trabalho resiste ao tempo. A maioria de nós desaparecerá em três gerações, e está tudo bem. O que importa é que a missão se mantenha forte e corajosa.”
Sorri ao imaginar-se um dia na FC, não como colaborador, mas como doente ou visitante. “Esperas estar a construir um lugar ao qual podes voltar”, e acrescenta: “E talvez até brinques e digas, ‘No meu tempo isto seria inaceitável’, ou, ‘Está cheio de robots agora, tragam-me uma pessoa!’ Mas saberás que valeu a pena.”
No fim, a sua história, e tantas outras semelhantes, lembram-nos que a força da FC reside não só nas suas descobertas, infraestruturas e edifícios, mas nas pessoas que, silenciosamente, moldam os seus alicerces todos os dias. “Há significado no próprio trabalho. Chegas, resolves problemas, apoias pessoas e um dia olhas para trás e percebes que estiveste a construir algo maior do que tu.” Essa é a essência da história dos bastidores da FC: confiança, coragem e a crença silenciosa de que até o trabalho invisível pode deixar uma marca duradoura.
Joaquim Teixeira, Conselheiro para Investigação e Inovação da Administração da Fundação Champalimaud
Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui.