01 Junho 2023

Os enfermeiros vão ser substituídos por robôs com inteligência artificial?

O sexto Congresso Champalimaud de Enfermagem Oncológica que decorreu a 19 de Maio sob o mote “Das múltiplas inteligências às competências em oncologia”. Falou-se de inteligência humana e artificial em geral e ainda de inteligência emocional na prática de enfermagem, entre outros temas. Apesar da utilidade da IA, ninguém acredita que os enfermeiros estejam em perigo de ser substituídos por robôs.

Os enfermeiros vão ser substituídos por robôs com inteligência artificial?

A Fundação Champalimaud tem um robô experimental, o Wingy, que utiliza o Chat GPT e que espera vir a ser um dia capaz de acolher os doentes no seu Centro Clínico. Mas irá o Wingy substituir a equipa de acolhimento?, perguntou Pedro Garcia da Silva, neurocientista e Coordenador Científico do Champalimaud Research, durante a sua intervenção no Congresso Champalimaud de Enfermagem Oncológica, que decorreu na Fundação a 19 de Maio.

E mais: serão os enfermeiros um dia substituídos pela inteligência artificial (IA)? “Duvido que os enfermeiros sejam substituídos”, respondeu sem hesitação Garcia da Silva, apesar de se considerar “um optimista tecnológico”. E também não esqueceu os riscos da IA, sendo o mais importante para ele, na área da saúde, as desigualdades que irão ser geradas nos cuidados médicos enquanto a utilização da IA não se democratizar. “Não podemos só fazer catering aos ricos”, considerou Garcia da Silva.

Na realidade, serão precisos cada vez mais enfermeiros a utilizar interactivamente a inteligência artificial nas suas tarefas quotidianas, afirmou pelo seu lado Joe Paton, neurocientista e co-director do Champalimaud Research, na sua palestra. Paton disse ainda que a inteligência artificial está muito longe de se poder comparar com a inteligência humana. “A IA é uma ferramenta para uso de mentes naturais”, afirmou. E passou a explicar as diferenças abissais entre os dois tipos de inteligência. É que, embora os neurónios sejam binários (disparam ou não disparam impulsos), tal como os transístores da microelectrónica, o cérebro não funciona de todo como um computador. 

Para simular um neurónio, explicou o cientista, são precisos quatro milhões de transístores. E embora uma CPU (unidade central de computador) possa hoje conter milhares de milhões de transístores, o cérebro humano contém cerca de 85 mil milhões de neurónios, já para não falar no número de ligações (sinapses) entre eles.
  
Paton disse ainda que, enquanto a inteligência natural “é fruto da evolução, está encarnada num corpo, é distribuída, hierárquica e orientada para a acção e o movimento” (ou seja, proativa, intencional), a IA é reactiva: não faz nada sem uma acção exterior. “Estamos longe do cérebro humano, na engenharia, em termos da complexidade biológica, molecular e celular”, acrescentou. 

“O meu segundo argumento é mais filosófico”, prosseguiu, dando como exemplo, desta vez, a comparação entre o sistema visual e uma máquina fotográfica. “O cérebro não reproduz, tenta decidir como reagir. A retina não é como um sensor de máquina fotográfica”, afirmou. E se é verdade que o desempenho dos algoritmos de visão artificial pode tornar-se muito elevado com treino suficiente, e que estes  podem ser muito úteis, argumentou, “não são muito inteligentes”. 

Por essas razões – e também devido aos riscos éticos, legais, de falta de regulação, etc., que a IA pode apresentar, será sempre preciso “manter pessoas no loop”, concluiu Paton. “A colaboração entre médicos, enfermeiros e tecnologias de IA pode fazer diminuir os erros humanos e o tempo necessário para cumprir tarefas”, nomeadamente burocráticas. No futuro, acredita Paton, a IA vai entrar na clínica através dessa colaboração, que será interactiva e onde a IA poderá mesmo vir a oferecer assistência, companhia e terapêuticas digitais aos doentes.

De destacar também, a palestra de Maria João Cardoso, cirurgiã da Unidade de Mama da Fundação, que apresentou o projecto Cinderela, que dirige – e que também recorre à IA. O projecto destina-se a optimizar, de forma personalizada, a previsão dos resultados das cirurgias reconstrutivas em mulheres com cancro da mama, de forma aumentar a satisfação das doentes com os resultados em termos de imagem corporal (https://fchampalimaud.org/pt-pt/news/projecto-cinderella-o-direito-de-o…). A médica realçou, em particular, a importância do papel que os enfermeiros desempenham neste projecto, enquanto linha da frente do contacto com as doentes.

Também se falou em inteligência emocional durante o congresso. De destacar, a intervenção de Maggie João, que faz coaching em gestão do stress e que realçou a importância da inteligência emocional dos enfermeiros na gestão do seu próprio stress e o dos doentes e deu algumas pistas para a aplicar. Ainda de salientar, a palestra de Cátia Lampreia, enfermeira da Fundação Champalimaud, que apresentou uma revisão da literatura, publicada no início de 2023 na revista espanhola Enfermagem Clínica (com avaliação pelos pares). O estudo, da qual Lampreia é primeira autora, concluiu que “a inteligência emocional é uma competência essencial dos enfermeiros de cuidados críticos, com repercussões a nível profissional, pessoal e organizacional”. A enfermeira salientou que, de um modo geral, as pessoas que recorrem às emoções são mais eficazes na sua profissão.

Emilia Rito (Enfermeira Responsável Unidade Multidisciplinar) recordou o programa curricular da EONS (European Oncology Nursing Society) e Nuno Pereira (Secretário MR na Ordem dos Enfermeiros) falou da enfermagem em Portugal, mostrando o longo caminho percorrido. Novas terapêuticas de tratamento da depressão tais como estimulação magnética transcraniana (TMS) foram o foco das palestras de Patrícia Pereira, enfermeira especialista em saúde mental, e do psiquiatria e investigador Albino Oliveira-Maia, director da Unidade de Psiquiatria do Centro Clínico Champalimaud (CCC). Fernanda Relveiro, enfermeira responsável do Hospital de Dia do CCC, perguntou se estava encontrada a solução para o tratamento da neuropatia periférica, um sintoma incapacitante com impacto negativo na qualidade de vida dos doentes. O enfermeiro especialista Pedro Queiroz falou dos desafios inerentes à cirurgia pancreática, reconhecendo que a formação e a entre-ajuda entre membros da equipa multidisciplinar de patologia são fundamentais para a prevenção de complicações e a prestação dos melhores cuidados de saúde possíveis.

Francisco George, ex-Director-Geral da Saúde, encerrou o dia falando dos diferentes cenários de guerra dos últimos séculos e do papel essencial dos profissionais de saúde neste contexto.

Por Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud. 
Loading
Por favor aguarde...