25 Novembro 2025
Raízes locais, alcance global
20 Anos, 20 Histórias
— Impacto global com Rui Costa
25 Novembro 2025
20 Anos, 20 Histórias
— Impacto global com Rui Costa
Antes de haver um edifício junto ao rio, antes de existirem retiros e laboratórios cheios de vida, havia apenas uma ideia e um punhado de conversas que começaram entre Lisboa, Boston e Nova Iorque.
Era 2005. Rui Costa, então um jovem neurocientista nos Estados Unidos da América, lembra-se de ouvir falar de um plano arrojado: uma fundação em Portugal que queria reinventar a forma de fazer ciência. “Soube primeiro pelos media sobre a Champalimaud e depois durante umas visitas que a Leonor Beleza e o João Silveira Botelho estavam a fazer pelos EUA. Reuniam-se com jovens investigadores e a grande questão na altura era: ‘Vamos doar dinheiro, construir o nosso próprio instituto ou as duas coisas?’”
Nessa altura, havia muita especulação, alimentada em partes iguais por entusiasmo e incerteza. Mas algo nessas conversas ficou com ele. Dois dos cientistas portugueses mais respeitados, Maria de Sousa e António Coutinho, já o tinham apresentado como alguém “interessante para conversar”. Pouco depois, Coutinho sugeriu-lhe, meio a brincar, meio profeticamente: “Porque não te juntas ao Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC)? Vamos fazer algo com a Champalimaud. Pensa nisso.” Esta ideia fez Rui sorrir, para logo depois lançar um desafio amigável: “Vou para o NIH, mas se renovarem um andar inteiro para laboratórios de neurociência, eu venho.” Um ano mais tarde, essa promessa começou a ganhar forma.
A 29 de dezembro de 2006 (uma data gravada na sua memória), Rui encontrou-se com Leonor Beleza e João Silveira Botelho em Lisboa. “Quando nos conhecemos nos EUA, eu tinha sido bastante opinativo”, recorda com um sorriso. “Disse-lhes para não contratarem apenas laureados com o Nobel reformados, mas para investirem em jovens.” Nessa noite, concordaram. A reunião terminou com um compromisso verbal: Rui estava “in”.
Fisicamente só se mudaria em 2009, mas entretanto já estava a ajudar a desenhar muitas coisas, desde o biotério às bancadas dos laboratórios, em conjunto com Marta Moita, Zach Mainen e Susana Lima. “Havia imensa volatilidade, mas também uma energia incrível. Queríamos, todos, que as coisas acontecessem.” Esses primeiros anos foram marcados por improvisação, ambição e um otimismo quase imprudente. “Era uma comunidade super sonhadora, super jovem, com uma visão científica forte, mas também uma visão diferente sobre como fazer ciência.”
Pára um instante e acrescenta: “Acho que a minha maior contribuição foi ser apaixonado por isto. Era como uma cola, a ajudar a que as coisas acontecessem entre pessoas e ideias. Desde escrever os primeiros projetos até, literalmente, garantir que os frigoríficos da cozinha cabiam no sítio certo”, ri-se. “Mas, acima de tudo, tratava-se de colocar ali energia, generosidade e alegria. Parecia algo grande, para Portugal, para o sul da Europa.”
Este sentido de propósito já vinha de longe. Rui recorda vivamente como, durante o primeiro retiro, ao jantar, lembrou Coutinho de uma pergunta que este lhe tinha feito na entrevista para o doutoramento no IGC (Rui acabou por entrar no programa doutoral GABBA): “Qual é o teu sonho a 10 anos?” A resposta de Rui, na altura, foi simples: “Ter um instituto de neurociência em Portugal.” Sorri ao recordar esse momento. “Dez anos depois, disse-lhe: ‘Bem, cá estamos.’ Eu não sei se ele se lembrava.”
À medida que o sonho ganhava forma, surgiam novas realidades e desafios. “Começar foi difícil, mas passar de poucos para muitos foi ainda mais. Nem tudo cresce bem em escala.” Com a expansão da organização, manter todos alinhados em torno de uma visão comum tornou-se mais complexo. “Trata-se de comunicação, não apenas clareza, mas comunicação genuína. As pessoas precisam sentir que pertencem a essa visão.” Hoje, Rui acredita que esse alinhamento deve ser um processo contínuo. “Em retrospetiva, teria defendido algo mais sistemático, programas de orientação permanentes, momentos regulares de reflexão, retiros mais abrangentes com toda a organização. As visões não se substituem, evoluem.”
Ainda assim, o que mais sente falta é do sentido de comunidade. “É o lugar mais comunitário onde já trabalhei.” Sorri ao recordar como tantas ideias surgiram de forma orgânica. “Como o Ar (eventos de outreach), nasceu num dos retiros anuais, ou esta série que estão agora a fazer, alguém tem uma ideia, as pessoas juntam-se, trocam impressões e de repente torna-se algo real. Isso é precioso.”
E houve, claro, momentos mais leves, como o episódio do mobiliário de laboratório encomendado a uma empresa na China. “Nessa altura estávamos à procura de bancadas de laboratório com a ajuda do João (Silveira Botelho), e o Zach ía à China dar uma palestra. Com a ajuda de um intermediário, visitou armazéns e fábricas à procura do mobiliário perfeito, enquanto eu estava no espaço do laboratório, ao telefone em alta-voz com ele.” Quando finalmente o mobiliário chegou, Rui ri-se, “veio em centenas de peças por montar, e ninguém sabia bem o que fazer com aquilo, até encontrarmos um carpinteiro de Nelas (uma pequena vila no centro de Portugal).” Depois houve o dia em que todos pensaram que o tão esperado equipamento de laboratório tinha chegado, apenas para descobrirem que era material emprestado que serviria como adereço numa série de televisão que ía ser filmada no Teaching Lab. Rui ri-se novamente: “A Megan (Carey) ficou desolada. Eu abracei-a e disse: ‘Vamos pôr isto tudo a funcionar em breve.’”
Agora, como Presidente e CEO do Allen Institute, Rui vê os próximos 20 anos como um tempo de maior integração entre investigação e clínica, entre disciplinas e entre tecnologia e humanidade. “A tecnologia, a engenharia e a inteligência artificial vão transformar não só os resultados, mas o próprio processo de fazer ciência.” Para Rui, o futuro passa por ligar o que durante muito tempo esteve separado: “Na medicina e na ciência, tudo está dividido em especialidades, mas o corpo, e o mundo à sua volta, é algo que está totalmente integrado.” Acredita que este espírito de ligação está vivo na FC, onde áreas como a fisiologia cérebro-corpo, que une o sistema nervoso, a imunologia e o cancro, contêm a chave para compreender as doenças crónicas e o envelhecimento. “São temas transversais que podem unir investigadores em grandes projetos, em colaboração com outras fundações ou parceiros tecnológicos.”
Rui chama a isto ser “glocal”: forte localmente, com impacto global. “Começa-se localmente, constroem-se parcerias e depois vai-se para o mundo. Faz-se a prova de conceito e, depois, escala-se através de colaboração.” Sorri, abrindo as mãos como se segurasse toda a história nelas. “O maior desafio, e a maior oportunidade, é mantermo-nos inovadores e relevantes à medida que o mundo cresce em escala. Podemos ser pequenos, mas ir mais fundo, ir mais rápido.”
Rui Costa, Antigo Investigador Principal e Co-Director do Programa de Neurociência Programme e Antigo Coordenador do Conselho Consultivo Científico, Fundação Champalimaud. Presidente e CEO do Allen Institute.
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