12 Dezembro 2025
Um espírito intangível de aventura e comunidade
20 Anos, 20 Histórias
— Momentos decisivos com Megan Carey
12 Dezembro 2025
20 Anos, 20 Histórias
— Momentos decisivos com Megan Carey
Megan Carey visitou Portugal pela primeira vez em agosto de 2005. Ela e o seu marido, Michael Orger, tinham sido convidados para um casamento, e um amigo português (André Valente) tinha prometido mostrar-lhes tudo o que de bom Lisboa tinha para oferecer. Na altura, Megan era investigadora de pós-doutoramento na Harvard Medical School. Entre alguma dificuldade em encontrar a Capela de São Jerónimo, o desconforto em andar em saltos altos na tradicional calçada portuguesa, e o calor que se fazia sentir nesse dia, lembra-se de revirar os olhos quando Mike sugeriu: “Lisboa é incrível, um dia devíamos viver aqui!”.
Megan acrescentou de imediato como achava difícil encontrar posições para ambos em Neurociências. Mas Mike disse-lhe que tinha ouvido falar de um donativo deixado para a criação de um centro dedicado à investigação biomédica. Incrédula, mas pensando na semana mágica que tinham passado em Belém, Megan respondeu no seu estilo determinado e ambicioso: “Está bem. Se conseguirmos trabalhos para os dois, viveria aqui. Mas teria que ser neste bairro, e eu queria viver numa destas casas”. Acredito que para Megan esta ideia tenha parecido muito distante da realidade, mas a verdade é que se concretizou.
Alguns anos mais tarde, Megan com uma proposta de Nova Iorque e Mike de Viena, receberam a notícia de que o então instituto imaginário de neurociências ia mesmo ser construído no seu bairro preferido em Lisboa. O seu amigo André Valente (novamente) incentivou-os a candidatarem-se. Tinham que o fazer. E foram os dois convidados para uma entrevista em maio de 2009.
Relembra que a entrevista foi em forma de simpósio, algo que nunca tinha feito e que a deixou compreensivelmente nervosa. As entrevistas decorreram no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e foram combinadas com a visita do Conselho Científico Consultivo da Fundação Champalimaud (FC), que incluía vários prémios Nobel e, por coincidência, duas pessoas que estavam a tentar recrutá-los para Nova Iorque e Viena (o munda da neurociência de sistemas é pequeno!).
Já a caminho do aeroporto, receberam a agenda para o dia (que ainda guarda e partilhou comigo). Para sua surpresa, mostrava que a sessão abria com uma intervenção do, na altura, Presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva, e que ela apresentaria logo a seguir. Confessa que ficou tão impressionada, quanto assustada.
O dia foi todo fotografado, e nas imagens que me mostrou, conseguimos identificar atuais investigadores da FC, Zachary Mainen, Susana Lima, Mike Orger, mas também o antigo Presidente Cavaco Silva, o neurocientista Tony Movshon e o nobel Sydney Brenner, todos a sorrir. O dia terminou com um jantar que lhe mostrou um pouco do que poderia ser a sua vida em Lisboa. Para lá chegar, aceitou uma boleia de mota de Adam Kampff – a primeira da sua vida – e viu o pôr do sol da Avenida Marginal: um prenúncio de todas as aventuras que estavam a chegar.
Tanto Megan, como Mike, foram selecionados para as posições de Investigadores Principais na FC. Na sua segunda visita a Portugal, visitou a construção do edifício e jantou com um pequeno grupo de investigadores, que descreve como “amigável” e “incrivelmente criativo”. Não se consegue esquecer de algo que um deles disse nessa noite, enquanto jantavam muito apertados “Vamos precisar de uma mesa maior!”.
Essa noite fê-la pensar nas fotos a preto e branco do seu departamento em Harvard, onde se viam conhecidos neurocientistas como David Hubel, Ed Kravitz e Marge Livingstone no início das suas carreiras. Pensou em como, também ela, estava a ter uma oportunidade única de começar algo novo – algo especial. “Esta ousada aventura portuguesa na área da neurociência pode ser bem sucedida. E se não participarmos nela, podemos arrepender-nos para sempre”. Mudou-se para Portugal em agosto de 2010 com os seus dois filhos ainda pequenos, apenas dois meses antes da inauguração da FC, no dia 5 de outubro do mesmo ano.
Quando perguntei à Megan sobre um desafio significativo que enfrentou durante a sua carreira no FC, ela partilhou uma história que, curiosamente, já tinha sido contada por outro dos nossos entrevistados, o Rui Costa – prova de que “inevitavelmente, as histórias tocam-se, cruzam-se” (no Editorial de 20 Anos, 20 Histórias). Neste caso, tratava-se de um momento decisivo que ambos viveram. Numa manhã de fevereiro de 2011, Megan entrou na FC ainda vazia e encontrou o open lab subitamente cheio de equipamento. “Ficámos entusiasmados”, conta-me, até repararem nas pessoas de bata, nas luzes fortes e nas câmaras. O espaço tinha sido alugado para filmar um anúncio publicitário. Riram-se e pensaram: “Bem… talvez um dia.” Mas depois saiu um artigo no jornal – algo como “Fundação Champalimaud em funcionamento” – com fotografias do laboratório criado para televisão. Esse, disse ela, foi o momento de verdadeiro pânico: e se tudo aquilo tivesse sido construído apenas para parecer bem?
Quando começou a trabalhar, candidatou-se a uma bolsa do Howard Hughes Medical Institute que financiava projetos de jovens investigadores. Conta-me como foi apoiada pelas seus colegas enquanto preparava o seu projeto inovador: “Uma proposta que nem sequer continha objetivos concretos, mas antes delineava uma visão para a minha investigação, que utilizaria ferramentas emergentes para dissecar o controlo cerebeloso do movimento coordenado, conectando níveis de análise desde tipos celulares específicos até cálculos de circuitos e comportamento”.
Tanto ela como outro neurocientista, Rui Costa, receberam o financiamento e houve “uma enorme publicidade em torno dos prémios” que descreve ter sido um momento decisivo, quer para ela, como para o programa de neurociências. “Todos nos orgulhávamos imenso das conquistas uns dos outros, porque sentíamos que fazíamos parte de algo maior do que nós próprios.”
Para Megan, uma das suas maiores contribuições para a FC foi ter sido Chair do primeiro Champalimaud Neuroscience Symposium, em setembro de 2011. “Convidámos um grupo notável de oradores e centenas de participantes vieram conhecer a FC pela primeira vez”. Ainda encontra alguns dos textos que escreveu para a primeira edição, adaptados nas descrições do evento atual, que acontece todos os anos na Fundação Champalimaud, e que agora se chama Champalimaud Research Symposium e decorre anualmente na FC. Diz-me, orgulhosa, que o evento “desempenhou um papel vital na apresentação do nosso instituto à comunidade científica em geral”.
Quando terminámos a entrevista, perguntei-lhe qual o marco que capta o seu percurso na FC. Ela não hesitou. Mostra-me uma fotografia a preto e branco em que a vemos a dançar, a cantar e a rir com outros investigadores no primeiro retiro anual. Cantavam a música Kids dos MGMT depois de um mergulho noturno, o que me transporta para algo que Megan me tinha dito anteriormente: “Construir um instituto de investigação onde as pessoas possam fazer boa investigação e publicar artigos de qualidade é a parte fácil. O que é difícil, e que a FC conseguiu, foi atrair pessoas com grandes sonhos e grandes ideias e que estão dispostas a desafiar-se”.
Megan já trabalhou em muitos departamentos de neurociência, mas nunca num com um ambiente tão especial: “um espírito de aventura e de comunidade que é intangível – e invejável”.
É precisamente este espírito que moldou tantos dos momentos decisivos da história de Megan e da história da FC. Que continue a fazê-lo por muitos mais vinte anos.
Megan Carey, Investigadora Principal, Comportamento e Circuitos Neurais, Fundação Champalimaud
Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui.