09 Dezembro 2025

Uma instituição construída para criar ligações

20 Anos, 20 Histórias
— Ligar investigação e clínica com Henrique Veiga-Fernandes

Henrique Veiga-Fernandes

A Fundação Champalimaud (FC) tem a vantagem de reunir, sob o mesmo teto, um instituto de investigação e uma clínica. As oportunidades de colaboração estão por todo o lado e, desde o início, Henrique Veiga-Fernandes soube aproveitá-las. Este tem vindo a ligar a investigação à clínica, colaborando com profissionais de saúde. Agora, espera expandir essas parcerias, inspirando outros a fazer o mesmo.

Henrique ouviu falar da FC quando esta ainda estava sediada no Instituto Gulbenkian de Ciência, e o novo edifício estava a ser construído. Nessa altura, regressava a Portugal vindo de Londres para iniciar o seu laboratório no Instituto de Medicina Molecular (atual Fundação GIMM), mas a ideia de integrar a FC já lhe estava na mente. Em 2017, o seu laboratório mudou-se para lá e a sua história como líder de grupo na FC começou.

Quando chegou, Henrique ficou surpreendido com o edifício. “Era muito diferente da maioria dos edifícios de investigação, onde os laboratórios quase não têm luz natural. Entrar neste espaço, com tanta luz e abertura, foi impressionante”, recorda. Também se lembra do dia da mudança: “Tínhamos o laboratório a funcionar em 24 horas, e foi fantástico. Todos, incluindo eu, estávamos a instalar frigoríficos, a montar equipamentos e a arrumar material.” Recorda esses primeiros dias como um verdadeiro momento de trabalho em equipa e de grande satisfação ao ver a coesão do grupo.

Henrique também participou na criação do Programa de Cancro e Fisiologia da FC. Recorda-se de procurar pontos de contacto com colegas do Programa de Neurociências e com a Clínica, e de aprender uma linguagem comum. “De certa forma, tentamos aproximar a nossa linguagem da dos outros. Em vez de insistir nas diferenças, procuramos o que nos une”, explica. “Ter uma comunidade a crescer e partilhar tanto em termos científicos nem sempre é fácil, mas construímos algo muito interessante.”

Ao falar sobre a colaboração entre investigação e clínica, voltámos inevitavelmente ao edifício. Henrique descreve-o como “a maior vantagem, mas também o maior desafio”, uma vez que partilhar um espaço não significa automaticamente partilhar uma forma de pensar. “É um desafio que, desde que ambos os lados sejam flexíveis e abertos, pode ser ultrapassado com mais facilidade do que parece.” A arquitetura ajuda: “Acabamos por conhecer muitos dos clínicos e vice-versa. Desde encontros casuais ao café até seminários conjuntos, tudo isto cria um ambiente naturalmente propício à colaboração.”

Esses encontros já deram frutos. O laboratório de Henrique estuda como os órgãos influenciam o sistema imunitário e comunicam entre si em contexto de doença. Por isso, trabalhar com os gastroenterologistas da Unidade Digestiva do Centro Clínico Champalimaud era uma ideia que sempre teve, “foi uma parceria natural. Já estudávamos a imunidade intestinal, por isso fazia todo o sentido sentar-nos com os clínicos e trocar ideias.” 

Dessas conversas surgiu a ideia de testar uma técnica cirúrgica já usada em humanos para tratar a doença do fígado gordo, que elimina células intestinais fundamentais para a regulação imunitária e metabólica, para perceber se as descobertas obtidas em modelos animais também se aplicavam a humanos. A colaboração permitiu validar os resultados dos animais em amostras humanas o que, nas palavras de Henrique, “não tem preço e é absolutamente extraordinário.” Henrique recorda com um sorriso o momento em que pediu ao médico Ricardo Rio-Tinto para observar uma biópsia. “Era algo que eu fazia questão de ver. Assistir à forma como os médicos recolhem as amostras foi muito enriquecedor e interessante.” O grupo tinha dificuldades com o tamanho das amostras e ele queria perceber como melhorar. “A abertura do clínico, ‘claro, sempre que quiseres, organizamos’, deixou-me realmente grato.”

Para Henrique, isto faz parte de uma nova era de colaboração. Quando começou a fazer investigação, as disciplinas ainda estavam muito compartimentadas, os neurocientistas, os imunologistas, os biólogos celulares. “Essas barreiras estão a desaparecer. As questões mais interessantes vivem nas fronteiras entre disciplinas. Precisamos do conhecimento de todos, incluindo dos clínicos, que formulam os problemas de forma diferente.” Falámos também sobre as colaborações com inovadores e empreendedores, cuja visão ajuda a transformar descobertas científicas em aplicações médicas, algo que Henrique considera essencial.

Além da proximidade com os médicos, Henrique falou sobre a proximidade com os doentes. “Vemos doentes todos os dias, é inevitável sentir essa presença, e isso lembra-nos constantemente porque estamos aqui”, afirma. Essa presença é essencial para manter a motivação da equipa e do Henrique. “A investigação fundamental existe para descobrir o desconhecido, e isso é incrivelmente importante”, explica. Esta investigação é a base para futuras descobertas clínicas, mesmo que não sejam imediatamente aplicáveis, algo que considera importante sublinhar.

Terminámos a conversa a falar sobre o que torna a FC especial para Henrique. Inevitavelmente, voltámos ao edifício: “Há algo no coração desta comunidade que tem a ver com a forma como habitamos o espaço. São espaços de uma beleza excecional, que respiram com o ambiente. Quando chove, sente-se a chuva; quando está calor, sente-se na luz que entra. E isso é extraordinário, porque quem trabalha aqui mantém uma ligação constante com o que se passa lá fora, não estamos isolados.”

E talvez isso resuma perfeitamente a nossa conversa e o espírito da FC, uma comunidade aberta e acolhedora, onde a ciência e a medicina crescem lado a lado para fazer avançar o conhecimento.

 

Henrique Veiga-Fernandes, Principal Investigator, Immunophysiology Lab, Fundação Champalimaud

Texto de Ana Rita P. Mendes, Communication & Events Manager da Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach da Fundação Champalimaud

Coleção 20 Anos, 20 Histórias completa aqui

 

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