12 Maio 2022

5th Champalimaud Cancer Nurse Conference: “Nunca digam ‘eu sou só enfermeira’.”

No dia em que se comemora o Dia Internacional do Enfermeiro, publicamos um pequeno resumo da 5th Champalimaud Cancer Nurse Conference, organizada pela equipa de enfermagem oncológica do Centro Clínico Champalimaud, que decorreu a semana passada no Auditório da Fundação Champalimaud. Uma dupla comemoração, num regresso muito esperado.

5th Champalimaud Cancer Nurse Conference: “Nunca digam ‘eu sou só enfermeira’.”

O evento devia ter acontecido em 2020, assinalando o Ano do Enfermeiro da OMS através da comemoração dos 200 anos do nascimento (a 12 de Maio de 1820) de Florence Nightingale, a “mãe de todas a enfermeiras”. Mas, devido à pandemia de COVID-19, as enfermeiras e os enfermeiros de todo o mundo tiveram de repente assuntos muito mais urgentes para tratar, ou não fosse esta categoria profissional o pilar dos cuidados de saúde.

No passado dia 4 de Maio decorreu em Lisboa a V Conferência Champalimaud de Enfermagem Oncológica, sob o mote “Florence Nightingale na Era Digital: ‘Onde estamos e para onde vamos?’" Da história da enfermagem às novas tecnologias, da evolução moderna da profissão às novas necessidades de aprendizagem e especialização, o Auditório da Fundação Champalimaud foi palco de uma série de palestras e mesas redondas, focadas mais particularmente nos enfermeiros especializados em cancro, mas que também abordaram a profissão no seu todo.

Florence Nightingale – que, durante a sua missão num hospital militar turco aquando da guerra da Criméia, nos anos 1850, ficou conhecida como a “Dama da Lamparina” pelo seu hábito de fazer, de lamparina no braço erguido, a sua ronda nocturna aos soldados feridos do exército britânico – teria com certeza ficado surpreendida (ou talvez não?) ao observar a evolução das últimas décadas, em Portugal e no mundo, da profissão que criou.

Provavelmente um dos avanços que mais a teriam agradado seria a importância crescente dada hoje à ciência na enfermagem, visto ela própria ser – facto menos conhecido – uma cientista de alto nível, pioneira na área da estatística, para além de gestora e líder. 

E de facto, um dos aspectos mais referidos durante a Conferência foi a necessidade de os enfermeiros participarem cada vez mais na investigação e nos processos de tomada de decisão em saúde, inclusive ao nível das políticas públicas, em pé de igualdade com os médicos e os decisores políticos. Este processo já está em curso, havendo um número crescente de enfermeiros a obterem mestrados e até doutoramentos em enfermagem, mas longe de estar generalizado. “Trabalhamos em silos, existem territórios”, salientou o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes durante a sua intervenção. “Todos falam em integração, mas ninguém gosta da ideia.”

Colocou-se também a questão da revisão do papel dos enfermeiros, e em particular dos atos médicos passíveis de serem desempenhados por enfermeiros. Isto ainda não acontece em Portugal, mas já é uma realidade nos EUA, onde existe a função de “nurse practitioner”, profissionais de enfermagem capacitados nesse sentido – como referiu, através de uma ligação por zoom, a luso-americana Virgínia Ferreira, acute care nurse practitioner no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center em Nova Iorque.

Todavia, a responsabilidade dessa fragmentação não é apenas dos que têm o poder. Muitos dos participantes também referiram a falta de auto-afirmação e de valorização da sua profissão por parte dos próprios enfermeiros. E no entanto, eles são “o pivot da saúde”, como declarou uma enfermeira entrevistada num vídeo projectado durante o evento, enquanto outra insistia no facto de as enfermeiras terem de reconhecer o seu próprio valor. E outra ainda acrescentava: “Nunca digam ‘eu sou só enfermeira’.” O problema de uma certa falta de assertividade é bem real.

As novas tecnologias não podiam ter ficado de fora do debate. Houve quem receasse que estas acabem por reduzir o lado humano da enfermagem, mas em geral todos concordaram em dizer que as vantagens que a inteligência artificial e a automatização de procedimentos podem oferecer são inegáveis. “Não é por as novas tecnologias existirem que olhamos menos para os doentes”, disse Jacques Santos, internista do Hospital Santa Maria, que participou numa mesa redonda na dupla qualidade de médico e de doente oncológico. “É possível, com as novas tecnologias, melhorar o acompanhamento.” 

Um exemplo: o “digital nursing”, que permite enviar questionários aos doentes para conhecer, à distância, o seu estado e detectar potenciais incidentes graves, “melhora o estado fisiológico e psíquico e a qualidade de vida dos doentes”, disse por seu lado Marta Martinho, enfermeira da Unidade da Mama da Fundação Champalimaud. “O digital nursing é a lâmpada que aproxima doentes e enfermeiros; todos os enfermeiros podem ser e-enfermeiros”, acrescentou. E anunciou ainda que o sistema de digital nursing deverá começar a ser aplicado no final do mês na Unidade da Mama.

Não é amanhã que um robô irá segurar a mão de um doente em sofrimento. Será sempre um ser humano, e muito provavelmente um enfermeiro. Um exemplo comovente desse lado humano da profissão foi a intervenção de Helena Lagartinho, enfermeira coordenadora da Plataforma de Extramural Care do Centro Clínico Champalimaud, que existe desde 2017 – e que permite levar literalmente o hospital para a casa do doente, algo que exige uma enorme dedicação por parte da equipa envolvida – e já agora, também uma boa dose de novas tecnologias. 

Patrícia Cortez, enfermeira coordenadora da Comissão de Controlo de Infeção Hospitalar da Fundação Champalimaud, abordou o tema da Smart Infection Control, que é essencialmente um projecto de higienização das mãos assistido pelas novas tecnologias. Florence Nightingale, que tinha percebido a importância da higiene em meio hospitalar, teria sem dúvida apreciado que 200 anos mais tarde, algo tão simples como lavar e desinfectar as mãos continue a ser a melhor, senão a única, barreira eficaz contra as infecções por contacto – como ficou mais uma vez provado durante a pandemia de COVID-19.

A última intervenção em palco foi a de Lucília Nunes, que concluiu o curso de enfermagem e o curso de psicologia, o mestrado em Ciências de Enfermagem e o doutoramento em filosofia – e é Coordenadora do Departamento de Enfermagem na Escola Superior de Saúde, em Setúbal, entre outros cargos. Lucília Nunes falou na necessidade de utilizar as tecnologias para “pensar a formação dos enfermeiros ao longo da vida e colmatar a brecha entre o lugar de trabalho e o de ensino”, acrescentando que “o enfermeiro do futuro é o de hoje com uma fortíssima componente científica e ética.

Para o fim da Conferência ficou uma “visita surpresa” da “mãe de todas as enfermeiras”, interpretada por Fernanda Conceição, enfermeira responsável pela Área de Cuidados Intensivos e Recobro da Fundação Champalimaud. Vestida ao modo das profissionais da enfermagem do século XIX, e segurando uma lamparina numa mão e um tablet na outra, esta “Florence Nightingale” moderna encerrou o evento comentando uma série de slides com citações marcantes de Florence Nightingale.

Por Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud.

 

Livro "A Tecnologia ao Serviço da Humanização dos Cuidados em Oncologia"

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Livro de Enfermagem Oncológica, Fundação Champalimaud

 

V Conferência Champalimaud de Enfermagem Oncológica, sob o mote “Florence Nightingale na Era Digital: ‘Onde estamos e para onde vamos?’"
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