03 Maio 2023

Pode a meditação com realidade virtual reduzir a ansiedade das doentes com cancro da mama prestes a ser operadas?

Um ensaio vai ser lançado dentro de meses por cirurgiões da Unidade de Mama da Fundação Champalimaud, para avaliar os benefícios das técnicas de meditação, quando aliadas às tecnologias de realidade virtual, na mitigação da ansiedade e na melhoria do humor das doentes com cancro da mama à espera de entrar no bloco operatório.

Pode a meditação com realidade virtual reduzir a ansiedade das doentes com cancro da mama prestes a ser operadas?

Maria (nome fictício) tem cirurgia marcada para lhe ser retirado um tumor maligno da mama. Está na sala do pré-operatório, à espera de entrar no bloco, onde a operação irá ser realizada sob anestesia geral. Não admira que se sinta ansiosa, com o coração a disparar, e não consiga pensar noutra coisa nestes momentos. A sua tensão arterial aumenta.

Um médico aproxima-se dela e, conforme anteriormente acordado, inclina ligeiramente a maca, de forma a que Maria fique semi-sentada, e coloca-lhe uns óculos de realidade virtual. Durante oito minutos, ela vai visualizar uma paisagem natural e ouvir sons relaxantes, enquanto uma voz, em português, guia a sua meditação. 

Maria já se auto-avaliou uma primeira vez, tendo para isso preenchido um questionário muito simples sobre os seus níveis de ansiedade e bem-estar na iminência da cirurgia. Voltará a responder às perguntas oito minutos depois da experiência em realidade virtual com meditação, quando lhe retirarem os óculos. 

Mais tarde, já na sala de recobro, Maria deverá responder novamente ao questionário – e, se o desejar, descrever, em texto livre, como se sente. A sua pressão arterial e ritmo cardíaco serão medidos e registados no início, aos quatro minutos do procedimento e no fim dos oito minutos. 

Maria faz parte das 90 doentes que aceitaram participar num ensaio que irá ser lançado no final do ano por cirurgiões da Unidade de Mama da Fundação Champalimaud, com o objectivo de avaliar os benefícios de combinar meditação com realidade virtual no alívio do stress pré-operatório de doentes como ela – ou seja, a quem foi diagnosticado um cancro da mama que precisa de cirurgia com anestesia geral.

O ensaio vai ser apresentado no dia 5 de Maio de 2023 por David Pinto, cirurgião da Unidade de Mama, durante o congresso Breast Cancer Metaverse, que decorrerá na Fundação Champalimaud e é organizado pela AECIMA (Associação Espanhola de Cirurgiões da Mama). Os co-responsáveis pelo ensaio são Pinto, Pedro Gouveia, Rogélio Andrés-Luna e Maria João Cardoso, cirurgiões da Unidade de Mama. Estes contam ainda com a colaboração de Luisa Travado (psico-oncologista), de enfermeiras e anestesistas do bloco operatório, dos neurocientistas Scott Rennie e Razvan Sandru (do Laboratório de Neurociências de Sistemas do Champalimaud Research), e de Rita Tinoco como representante das doentes.  

“As doentes que aguardam cirurgia sentem-se frequentemente ansiosas e o tempo passado na sala pré-operatória do bloco é descrito como dos mais stressantes e desagradáveis”, lê-se no documento de apresentação do ensaio. “(...) e existe
crescente evidência que a meditação com [realidade virtual] poderá ser ainda mais eficaz que a meditação convencional.” 

A expectativa assumida para o novo ensaio ser considerado positivo é que a redução da ansiedade e a melhoria do humor das doentes se revelem superiores a dois níveis; e que o ritmo cardíaco e a tensão arterial média das doentes à entrada do bloco se vejam diminuídas em mais de 10%.

Este ensaio clínico, dito de “meditação guiada imersiva”, chama-se FLOW, do nome do software de meditação em RV que irá ser utilizado com os óculos de realidade virtual. A app de RV FLOW foi desenvolvida por uma equipa na Islândia liderada por Tristan Gribbin, a fundadora de Flow (www.flow.is). Gribbin é uma criadora software e especialista de meditação norte-americana que vive na Islândia. 

O uso da realidade virtual como “manobra de distracção” em procedimentos médicos já foi descrito na literatura, com benefícios no controlo da dor e do sofrimento. Mas, diz Rogélio Andrés-Luna, “tanto quanto sabemos, não existe nada, na literatura, sobre meditação em saúde com realidade virtual em contexto cirúrgico”. 

Para se poder comparar diferentes protocolos, as participantes serão distribuídas aleatoriamente por três grupos. Num dos grupos, as doentes não terão óculos de realidade virtual, nem som, nem meditação guiada. Num outro, serão colocados óculos de realidade virtual e as doentes irão visualizar uma paisagem natural e ouvir som, só que sem meditação guiada. Por último, às doentes do grupo restante serão colocados óculos de realidade virtual e elas também irão visualizar uma paisagem natural com som, mas desta vez acompanhada pela voz de meditação guiada.

Durante os oito minutos de experiência em realidade virtual, será ainda registado um electroencefalograma, que permitirá calcular o chamado BIS (índice bi-espectral) para avaliar o nível de consciência de cada doente. Os cientistas querem assim determinar o impacto da experiência de meditação guiada em realidade virtual antes de as doentes começarem a ser sedadas.

Os cientistas tencionam, a seguir, alargar o âmbito do ensaio às cirurgias com anestesia local e à quimioterapia.

Texto de Ana Gerschenfeld, Health & Science Writer da Fundação Champalimaud. 
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