23 Setembro 2021

Uma viagem ao futuro da neurociência na companhia de gatos, cães, polvo, patos e robôs

A edição de 2021 da academia Neuronautas acabou por acontecer num formato muito diferente daquele em que foi originalmente concebida, mas ainda assim cumpriu o seu objetivo principal: transformar um grupo de alunos do ensino secundário em destemidos ​​exploradores do desconhecido.

Uma viagem ao futuro da neurociência na companhia de gatos, cães, polvo, patos e robôs

Os jovens iam aparecendo no ecrã, um quadrado de cada vez. No início, quase todos os quadrados não tinham imagem, à excepção dos professores, que acolhiam cada nova chegada, alternando entre o "good morning" e o "bom dia". Os primeiros encontros são sempre um pouco estranhos, especialmente via zoom, mas assim que a Danbee Kim, ex-aluna de doutoramento na Fundação Champalimaud e uma dos criadores da Neuronautas, pediu a todos que ligassem as suas câmaras, o ecrã do computador de repente iluminou-se com os rostos dos Neuronautas 2021.

Neuronautas é um programa educativo que faz parte da rede de Academias Gulbenkian do Conhecimento e que foi lançado em 2019 para alunos no 10º ano, a ter lugar no Centro Champalimaud (CCU). Infelizmente, devido à pandemia COVID-19, os planos tiveram que ser ajustados ao mundo virtual mas a equipa dos Neuronautas não desistiu. Como resultado de um esforço considerável, a equipa criou não apenas uma, mas duas experiências independentes - o Voo de Longo Curso para os Neurocadetes, com a duração de quatro semanas, e o Voo Curto para as Quimeras, aventura que aconteceu ao longo de duas semanas.

Neurocadetes - Tornando-se Neurocientistas de Campo 

“O grande desafio deste ano foi migrar o extenso conteúdo da academia para o universo online”, lembra João Frazão, Software e Hardware Developer no Centro Champalimaud, responsável pela parte prática da academia. “Preparámos uma série de plataformas virtuais repletas de materiais de estudo teórico e guias práticos. Dessa forma, os alunos tinham toda a  informação de que precisavam para colocar em ação os seus kits de exploradores, que continham ferramentas tecnológicas como um robô, uma câmara e um minicomputador."

O facto do curso ter sido conduzido virtualmente não significa que os alunos trabalhassem sozinhos. Além das sessões diárias de zoom (de manhã e de tarde), os alunos estavam em constante contacto com os professores, assistentes de ensino (TAs) e outros Neurocadetes. “Passamos muito tempo juntos”, diz Bruno Cruz, aluno de doutoramento no Laboratório de Aprendizagem da Champalimaud Research, que foi um dos TAs desta academia. “A melhor parte, para mim, foi poder observar o entusiasmo dos alunos. Quando fazemos ciência há já algum tempo, acabamos por deixar de apreciar o quão empolgante é aquilo que fazemos. É uma boa sensação quando temos alguém de fora que nos faz recordar a razão pela qual a maioria de nós escolheu este caminho. "

“Foi muito bom ver o entusiasmo dos alunos, todos os grupos superaram largamente as nossas expectativas”, afirma João. “Acredito que o nosso papel como TAs e monitores era orientá-los, fornecer as ferramentas básicas para que os alunos pudessem construir as “suas embarcações” e, mais importante, fossem capazes de ler “mapas”. A partir daí, vimo-los “partir” e explorar as suas próprias aventuras. Alguns grupos optaram por "experiências mais controladas" e acabaram por enveredar em explorações incrivelmente completas. Outros escolheram correr riscos maiores e foram realmente para o campo, onde há mais espaço para a imprevisibilidade e onde dominar a improvisação se torna uma habilidade essencial. ”

“Digo sempre aos meus alunos que aprenderão muito mais com o fracasso do que com o sucesso, essa é aliás a minha experiência como cientista”, reflete Danbee. “Mas também sei que a sensação de fracasso pode ser muito difícil, principalmente numa sociedade como a nossa que exige constantemente o sucesso. Esta ideia que trazem enraizada é algo que os alunos precisam de desaprender, o que acaba por acontecer numa fase inicial da academia. Os alunos têm de abandonar a crença de que devem apenas fazer as coisas em que terão sucesso; caso contrário, nunca assumirão os riscos reais que levam à inovação e à descoberta. Estes grupos também passaram por essa fase, e conseguiram ultrapassá-la com muita ousadia e muita vontade de enfrentar o desconhecido com paciência e otimismo. Não consigo colocar em palavras o quão orgulhosa e feliz me sinto pela experiência que vivemos juntos.”

Magic & Dogs Group
O grupo Magic & Dogs desafiou a capacidade dos cães de saber quando estão a ser enganados. Esta imagem mostra como os alunos aplicaram a ferramenta de programação Bonsai para extrair variáveis-chave do vídeo experimental. Alunos: Rodrigo Sá & Gonçalo Magalhães. TA: Matheus Farias.

 

Quack Experiment
O Quack Experiment aventurou-se pelo Jardim Gulbenkian, em Lisboa, para realizar três experiências diferentes com patos. A imagem acima apresenta alguns frames da sua experiência com cores. Alunos: Beatriz Quintas, Maria Grilo & Teresa Coimbras. TA: Andre Marques & Danbee Kim.

Consultem os projetos finais dos Neurocadetes 2021.

Quimeras - O Cruzamento entre a Neurociência e o Storytelling

A aventura dos Quimera foi bastante diferente da dos Neurocadetes. Ao longo de duas semanas, e guiados pela Danbee, estes exploradores dedicaram-se primeiramente aos fundamentos da neurociência e aos princípios da especulação científica rigorosa para depois aplicarem esses fundamentos na construção colaborativa de uma aventura improvisada, passada num futuro distante.

“Lancei o desafio aos alunos de criarem uma história partindo de três pressupostos básicos”, explica Danbee. “Primeiro, os Quimerianos são uma espécie de nómadas espaciais que têm a capacidade de se transformar; segundo, são um povo que, reza a lenda, já tiveram um planeta natal, mas que foi entretanto destruído por humanos; e terceiro, há quem diga que os Quimerianos já foram humanos, mas que em algum momento começaram a evoluir numa direção diferente. Com base nestes pressupostos, os alunos criaram uma sociedade alienígena com uma história incrivelmente rica. Este grupo criou um universo maravilhoso, com uma história que me deixou verdadeiramente impressionada pela sua criatividade, otimismo e insight sobre a natureza da dinâmica comportamental da sociedade. ”

Depois de criarem este cenário tão rico, cada aluno desenvolveu os seus próprios personagens, e Danbee construiu uma aventura do tipo role-playing de mesa, na qual os personagens dos alunos exploraram um planeta recém-descoberto.

“Eu tentei integrar conceitos científicos ao longo da trama da história, e acrescentei muitas voltas, reviravoltas, mistérios e pistas falsas como forma de os desafiar”, lembra Danbee. “Honestamente, os alunos eram realmente muito perspicazes! Foram recolhendo todas as dicas e, mesmo quando se desviavam do enredo, apresentaram teorias tão incríveis de como achavam que tudo se encaixava, que por vezes acabávamos por abandonar o enredo original e seguir aquele que eles iam inventando. Eram tão criativos, e capazes de ligar os pontos, que os novos enredos faziam todo o sentido e eram ainda melhores do que o inicialmente desenhado. Foi uma experiência verdadeiramente incrível.”

Naves espaciais quiméricas
Naves espaciais quiméricas. Crédito: Vasco Vaz.

 
Uniform of the Spiritual & Historical Chimeran Faction
Uniforme da Fação Quimeriana Espiritual e Histórica. Crédito: Matilde Moreira e Lourenço Mateus.

 

As crónicas das suas aventuras, bem como as ilustrações e vídeos preparados pelos alunos, podem ser visitadas no website dos Neuronautas.

Feedback dos Estudantes

“Adorei a experiência que retirei deste curso, não só aprendi novas coisas e abri novas portas no meu cérebro, como estabeleci grandes amizades.”

Testemunho de um Neurocadete

“Gostei também muito do programa e do facto de criarmos todo um universo, com as nossas regras, leis e personagens. Senti que desenvolvi as minhas capacidades criativas e fico muito feliz por esta oportunidade.”

Testemunho de um Quimera

Por Liad Hollender, Science writer e editora da equipa de Comunicação, Outreach e Eventos do Centro Champalimaud.
Traduzido por Catarina Ramos, Co-Coordenadora da equipa de Comunicação, Outreach e Eventos do Centro Champalimaud.
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