Desde os anos 90, a estimulação cerebral não invasiva evoluiu de uma ideia experimental para uma ferramenta estabelecida no tratamento da depressão e no avanço da investigação em neurociência. Entre estas tecnologias, a estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS) está clinicamente validada e é utilizada no tratamento da perturbação depressiva major, também conhecida como depressão unipolar. No caso da depressão bipolar — uma fase da perturbação bipolar caracterizada por oscilações de humor entre baixas profundas e altas extremas – as opções de tratamento são escassas, e o uso de antidepressivos convencionais podem desencadear episódios maníacos perigosos.
Motivados pela designação da rTMS como Breakthrough Device para a depressão bipolar (BDep), concedida pela U.S. Food and Drug Administration (FDA), clínicos e investigadores da Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud (FC) realizaram uma revisão rigorosa e abrangente da literatura disponível sobre rTMS para BDep, avaliando a sua eficácia, segurança e protocolos ótimos de estimulação. Publicado no Biological Psychiatry: Global Open Science, os resultados oferecem uma nova esperança para doentes e novas orientações para clínicos. A relevância clínica deste trabalho foi recentemente destacada num comentário de uma colega canadense, na mesma revista.
O Que Torna a Depressão Bipolar Tão Difícil de Tratar
A depressão pode variar desde tristeza até episódios graves e debilitantes que afetam múltiplas áreas e sintomas. No entanto, em doentes com perturbação bipolar, os episódios depressivos alternam com episódios maníacos – períodos de energia extrema, impulsividade, comportamentos arriscados e reduzida necessidade de sono.
"Durante um episódio maníaco grave, as pessoas podem deixar de dormir ou fazer compras impulsivas e dispendiosas, entre outros comportamentos", explica Albino Oliveira-Maia, psiquiatra, neurocientista e autor sénior desta publicação, juntamente com Gonçalo Cotovio, psiquiatra e coordenador das atividades de rTMS na Champalimaud.
Os antidepressivos padrão, pilar do tratamento da depressão, podem desencadear mania em alguns doentes bipolares. "As consequências podem ser devastadoras", explica Gonçalo Cotovio. Isto limita severamente as opções terapêuticas, obrigando os clínicos a recorrer a combinações de estabilizadores de humor, antipsicóticos e psicoterapia. Apesar destes esforços, muitos doentes continuam a lutar contra episódios depressivos persistentes e resistentes ao tratamento.
Porque é que a rTMS Está a Mudar o Panorama do Tratamento da BDep
Com a rTMS já aprovada como alternativa eficaz e segura para a depressão unipolar, havia esperança no seu uso para a depressão bipolar. No entanto, eram necessárias mais evidências para provar a sua eficácia e segurança nesta condição particularmente desafiante. Em 2020, perante a necessidade urgente de melhores tratamentos, a FDA concedeu à rTMS a designação Breakthrough Device para a BDep, sinalizando o seu apoio ativo para acelerar a investigação e aprovação regulamentar. Na mesma altura, a equipa da FC começou a formar psiquiatras e internos, tanto de Portugal como de outros países, em rTMS, expandindo a capacidade de tratamentos de neuromodulação.
"Quando começámos, éramos o único centro de rTMS em Portugal", diz Albino J. Oliveira-Maia. "Embora estejamos orgulhosos desse facto, o mais importante é que sentíamos a obrigação de mudar esta realidade, formando colegas e publicando metodologias padrão para o uso clínico da rTMS em várias perturbações1,2,3."
Dois dos primeiros profissionais formados em rTMS na FC, Fabiana Ventura e Pedro Frias, co-autores desta publicação, estiveram envolvidos na criação de unidades de rTMS em hospitais do Serviço Nacional de Saúde português. Esta rede crescente de clínicos com esta formação preparou o terreno para uma avaliação rigorosa e em larga escala da rTMS para a depressão bipolar.
Baseando-se na designação da FDA e em anos de esforços pedagógicos, os autores compilaram toda a informação disponível para determinar o melhor curso de ação.
A Publicação da Revisão: O que a Evidência Realmente Mostra Sobre a rTMS
De um conjunto inicial de mais de 1000 artigos científicos, os investigadores analisaram sistematicamente 56 estudos, envolvendo mais de 1500 doentes com depressão bipolar, comparando a rTMS real com estimulação simulada (placebo). A análise dos dados nestes artigos revelou que:
A rTMS é eficaz para a depressão bipolar. As taxas de resposta e remissão foram semelhantes às descritas para a depressão unipolar e significativamente melhores do que o tratamento simulado. Um dado crítico é que a rTMS não aumentou o risco de mania em comparação com o placebo, um perfil de segurança crucial para doentes com perturbação bipolar. Os efeitos secundários, como dores de cabeça ligeiras ou fadiga temporária, foram raros.
"O risco de mania induzida pelo tratamento é um problema significativo com os antidepressivos convencionais na depressão bipolar", referiu Albino J. Oliveira-Maia. "É muito tranquilizador ver que este não parece ser o caso com o tratamento com rTMS."
A rTMS é uma abordagem versátil, com múltiplos protocolos baseados em evidência, incluindo estimulação de alta e baixa frequência do córtex pré-frontal dorsolateral (DLPFC) e estimulação theta burst intermitente (iTBS), que tem a vantagem de permitir sessões de tratamento mais curtas. A eficácia foi comparada entre os vários métodos. "A iTBS funcionou tão bem como a rTMS padrão", observou Gonçalo Cotovio, uma descoberta importante para clínicas que procuram otimizar o tratamento nesta população.
Por fim, esta publicação de revisão revelou ainda que doentes com depressão mais grave, ao iniciar o tratamento, apresentavam frequentemente as melhorias mais significativas, tal como já tinha sido descrito para a depressão unipolar. No entanto, ao contrário dos resultados na depressão unipolar, a eficácia da rTMS não parece diminuir em doentes que falharam múltiplas terapias anteriores. "Isto indica um potencial real para casos difíceis de tratar", acrescentou Gonçalo Cotovio.
Um Novo Capítulo: O Digital Neurotherapeutics Centre
Embora esta publicação destaque evidências sólidas de que a rTMS é segura, eficaz e uma opção de tratamento versátil para a depressão bipolar, também sublinha a necessidade de mais comparações diretas com tratamentos existentes e a afinação dos protocolos de estimulação, tanto para a BDep como para outras perturbações.
O novo Digital Neurotherapeutics (DNTx) Centre da FC oferece rTMS, incluindo iTBS e protocolos acelerados, a doentes com depressão – incluindo depressão bipolar – perturbação obsessivo-compulsiva e dores crônicas, entre outras condições.
Ao integrar cuidados clínicos e investigação, o DNTx Centre vai otimizar tratamentos de neuromodulação e expandir o acesso à estimulação cerebral segura e baseada em evidência, para os doentes que mais necessitam destes tratamentos.
Texto por Thaïs Lindemann, Neurotechnology Liaison Officer na Equipa de Comunicação, Eventos e Outreach, e na Equipa de Coordenação do CRN na Fundação Champalimaud.
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